Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 30 de agosto de 2020

#RapaduraRecomenda – Dança com Lobos (1990): a obra-prima de Kevin Costner

A trama caminha entre o faroeste e o épico para retratar um momento importante da história norte-americana e compor um belo filme de redenção.

É corriqueiro nos filmes de faroeste que índios sejam antagonistas estereotipados ou personagens mal desenvolvidos. Afinal, o gênero sempre explorou o expansionismo dos Estados Unidos com essa abordagem duvidosa. Sem menosprezar a relevância de tantos clássicos do cinema, pode-se dizer foi só depois do lançamento do livro Enterrem Meu Coração na Curva do Rio de Dee Brown, que decidiram levar “Dança com Lobos” às telas com o equilíbrio que ambos os povos mereciam. A questão vai além do maniqueísmo de herói e vilão, pois o autor Michael Blake ao lado do diretor e protagonista Kevin Costner retratam com respeito o encontro de um militar com os índios Sioux.

O filme inicia apresentando o oficial de cavalaria John Dunbar (Costner) em um ato suicida no front de batalha do Campo de St. David, Tennesse, em 1863. Visto como um ato de bravura por seus superiores, Dunbar recebe o privilégio de escolher onde quer servir. Cansado da Guerra Civil Americana, ele escolhe um posto longínquo na fronteira. Chegando ao local, o tenente se identifica com o posto solitário e na companhia do seu cavalo Cisco se estabelece para aguardar a vinda do exército. Com o passar do tempo, um lobo começa a se aproximar e ambos criam uma curiosa amizade, situação que virá a nomear Dunbar como “Dança com Lobos” pelos índios. 

Até esse ponto fica claro que se trata de um roteiro diferenciado e consciente, pois o longa evidencia que, em ambos os lados do conflito entre União e Confederados, há combatentes bons e maus. Ao apresentar um protagonista de comportamento dúbio logo de início, essa intenção da trama é acentuada e a narração em off entra em momentos pontuais para externar as reflexões de Dunbar. O contraste de cultura começa quando os índios Sioux descobrem a presença do tenente no forte próximo à aldeia. No primeiro momento, o encontro acontece com ameaças de ambos os lados, mas Dunbar ganha a confiança deles após encontrar a viúva “De Pé com Punho” (Mary McDonnell) machucada próximo da aldeia. Como se trata de uma trama objetiva, é eminente que o casal crie um laço romântico.

Com o tempo, ele assimila os costumes dos nativos e começa a se tornar um deles. E mais uma vez a direção ressalta que há índios bons e índios maus, da mesma maneira que fez com o homem branco anteriormente. O roteiro é maduro e evita politicar os povos, já que seu objetivo aqui é explorar a natureza humana. Sendo assim, esse foi um dos primeiros filmes a usar de maneira primorosa a narrativa do inimigo que se infiltra e depois muda de lado, recurso muito bem usado em “O Último Samurai” e “Avatar”.

Kevin Costner estava inspirado, tanto na direção quanto na atuação. É visível que ele viveu cada etapa da produção, e os vindouros sete prêmios Oscar foram merecidos. Ele também contou com a trilha emocionante de John Barry e fotografia arrojada de Dean Semler privilegiando a iluminação e cenários reais, além de um elenco de peso para dar vida aos Sioux, especialmente Graham Greene na pele de “Pássaro Esperneante”. Destaca-se a perseguição dos búfalos, talvez a maior cena do gênero já feita.

“Dança com Lobos” é uma obra singular e continua relevante mesmo depois de trinta anos. Uma das poucas ressalvas é a insistência de transformar o protagonista em herói, visto que os índios já tem os seus próprios. No entanto, Costner também sabia que há linguagens do cinema que são difíceis de contornar, então teve sensibilidade o suficiente para conseguir a redenção de Dunbar num período tão sangrento. Duas tomadas específicas sintetizam a subversão sagaz da trama para a época: quando Dunbar chega ao forte a bandeira americana está tremulando com força pelo vento, mas depois de adotar o nome “Dança com Lobos” e retornar ao lugar, a bandeira está caída e sem vida. Ao fim das três horas de exibição, não só o protagonista consegue sua redenção, mas também os nativos no cinema.

Jefferson José
@JeffersonJose_M

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