Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 30 de agosto de 2020

#RapaduraRecomenda – Os Sete Samurais (1954): há décadas influenciando o cinema de ação

Clássico imortal do cinema não só era muito à frente do seu tempo, como influencia filmes de ação contemporâneos com temáticas intrigantes e técnicas vanguardistas.

Ao longo da história da sétima arte, há obras inesquecíveis e de tamanha importância que transformaram o cinema para sempre. Cineastas à frente do seu tempo, como Orson Welles e Alfred Hitchcock, criaram filmes com novas técnicas de imagem e narrativa que são testemunhadas no cinema moderno quase um século depois. Um impecável exemplar cujo peso e influência são sentidos nos longas do novo milênio é uma das obras-primas de Akira Kurosawa, “Os Sete Samurais”.

O filme se passa no Japão de 1586, durante o período Sengoku, que via o país mergulhado numa guerra civil onde vários clãs tentavam tomar o poder do xogunato para si. Nesse cenário, o roteiro apresenta uma pequena vila de fazendeiros que descobre que será novamente atacada por bandidos logo após a colheita. No desespero, eles decidem juntar o que podem para contratar samurais para os protegerem do vindouro ataque.

A produção em si foi extremamente desafiante. O estúdio Toho nunca havia gastado tanto com um filme e chegou a parar as filmagens em duas ocasiões devido à escassez de dinheiro. Kurosawa, entretanto, sabendo que os executivos não topariam jogar fora tudo o que já tinha sido investido, esperava pacientemente a autorização para voltar. Com a demora, chegou a época de neve, o que obrigou os funcionários a molharem todo o set para derretê-la. O frio era cortante e resultou em momentos sofridos e perigosos. Além disso, houve um ator que teve a garganta queimada e uma atriz com olhos machucados. As constantes chuvas não ajudaram ninguém a seguir o cronograma planejado, mas o diretor soube usar o clima real para tecer emoções de maneira a estabelecer padrões ainda usados décadas mais tarde.

De longa duração (3h27min), o filme tem até um intervalo que o divide em duas distintas metades. A primeira mostra os aldeões recrutando os samurais e a segunda retrata a preparação para a batalha. Parece simples, mas o brilhantismo do roteiro de Kurosawa começa a transparecer conforme se nota o quanto o texto permite que o espectador conheça de cada um dos protagonistas, que não se resumem aos sete do título.

O principal acerto neste quesito está no personagem Kikuchiyo (o incrível Toshirô Mifune, roubando absolutamente todas as cenas). Se tornando um dos sete por insistência, sua busca por aceitação e valor disfarçada de desdém rende não só um personagem deliciosamente complexo, como se torna um elemento vital para que o filme explore as relações entre samurais e camponeses no país como um todo. Por meio de controle fino de perspectiva, Kurosawa derruba e eleva este homem cheio de revolta e anseios, se tornando um fio condutor narrativo que se prova uma vital ponte entre os envolvidos.

Outro que merece destaque é Kambei (Takashi Shimura, outro favorito do diretor), um samurai ponderado que tem papel vital na reunião dos sete e acaba liderando o time. O contraste deste com o desbocado Kikuchiyo ilustra como cada um pode ter sua função em busca de um bem maior. A mensagem entregue por ele de que “ao proteger outros, nos salvamos” é bela, eterna e inspiradora.

Apesar de inúmeros elogios, este filme se destaca por seu longevo legado. Ele praticamente inaugurou o tema de um time que se reúne para um objetivo (usado em vários longas, desde “Sete Homens e um Destino” a “Vida de Inseto”); apresenta um herói por meio de uma pequena missão no início que logo diz ao espectador a que ele veio; usa chuva para criar drama e tensão na batalha final; faz uso de múltiplas câmeras para capturar a ação de vários ângulos (e, assim, evitar repetir uma tomada difícil de ser replicada); equilibra momentos emocionalmente pesados com humor (a cena com Kikuchiyo e um cavalo é hilária); e o uso de lentes teleobjetivas (raras e caras na época) para melhor aproveitamento do escopo em tela, proporcionando imersão no caos da batalha num nível que não existia antes. “Kurosawa é meu mestre”, disse Martin Scorsese, e com este longa ele praticamente inaugurou o gênero de filmes de ação.

A última metade é composta por sequências crescentes de batalha e clímax. Há tanta coisa acontecendo em tela, seja em primeiro plano ou no fundo das tomadas, que a coreografia envolvida impressiona. Mesmo em volta de tanto caos, a narrativa visual é clara. É fácil de se transportar para aquele mundo e sentir cada golpe, cada movimento, cada injeção de adrenalina e cada fatalidade. Um clássico que dita tendências na sétima arte décadas após sua estreia, “Os Sete Samurais” não cansa, possui personagens memoráveis, uma história impecável e um festival de inovações em sequências de ação que justificam seu lugar como obra-prima do cinema.

Bruno Passos
@passosnerds

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