Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 23 de agosto de 2020

Chemical Hearts (Prime Video, 2020): agradável clichê adolescente

Drama adolescente protagonizado por Lili Reinhart e Austin Abrams não traz novidade, mas se torna interessante ao falar de assuntos necessários e reais.

Desde o sucesso de “A Culpa é das Estrelas”, os dramas adolescentes encontraram uma fórmula que vem se repetindo em boa parte dos filmes do gênero: um garoto, normalmente entre 16 e 17 anos, vive uma vida pacata e sem grandes acontecimentos, até que ele conhece uma garota que o faz ter novas vivências e muda completamente sua percepção de mundo. A partir disso, os dois seguem uma jornada de autoconhecimento e de descoberta de sentimentos que até então nunca haviam sido explorados. Apesar de ser desenvolvido de maneiras diferentes, esse enredo ganhou espaço nos estúdios cinematográficos e poderia ser facilmente aplicado a boa parte das produções dessa leva, como “Se Eu Ficar” e “Cidades de Papel”. Sendo assim, não tardaria para que a Amazon Prime Video mergulhasse nessa onda e fizesse sua própria versão de um drama adolescente, “Chemical Hearts”.

Baseado no livro de Krystal Sutherland e dirigido por Richard Tanne, o filme conta a história de Henry (Austin Abrams) e Grace (Lili Reinhart), dois jovens que, em seu último ano de ensino médio, se tornam co-editores do jornal da escola. Ele tem uma vida normal, com uma família estável e bons amigos, e sonha em ser escritor. No entanto, por achar que tem uma vida normal demais e por não ter tido experiências significativas, não sabe sobre o quê escrever. Enquanto isso, ela é uma estudante transferida de outra escola e que, assim como ele, tem a escrita e a leitura como suas grandes paixões. Só que após sofrer um acidente que deixou sequelas bastante dolorosas (fisicamente, e, principalmente, psicologicamente), ela deixa essas paixões de lado e decide se isolar de todos.

Logo em seus primeiros minutos, percebe-se as semelhanças com “As Vantagens de Ser Invisível”, que se tornou uma das grandes referências entre as obras para o público jovem-adulto. Não só os protagonistas das duas obras possuem a mesma paixão pela escrita e precisam lidar com os traumas que passaram a tomar conta de seus corpos, mas o estilo de cada um é muito parecido. A fotografia, construída na base de cores frias e fechadas (especialmente o azul), faz com que assisti-lo seja um ato de reconforto e aconchego, quase como se ele tivesse sido feito para ser apreciado em um domingo chuvoso. O mesmo vale para a trilha sonora que, apesar de bem mais marcante no filme de 2012, aqui traz para o tom carregadamente melodramático do filme uma sutileza e doçura que equilibram a carga de sentimentos que estão sendo perpassados.

Porém, o longa de Richard Tanne se afasta de “As Vantagens de Ser Invisível” ao não ser capaz de deixar de lado os clichês que costumam aparecer nos filmes do gênero. Desde o seu enredo, que contempla a maioria desse tipo de produções, até certas especificidades, como os diálogos dramáticos, a poesia visual, personagens sozinhos e esotéricos, a abordagem de temas como o luto e saúde mental, e personagens coadjuvantes que costumam ser tão interessantes quanto os protagonistas. A irmã de Henry, por exemplo, ainda que apareça pouco, rouba a cena para si e deixa o espectador curioso para saber mais sobre sua história. Mesmo que esses detalhes sejam bem trabalhados e rendam algumas das sequências mais bonitas e impactantes, se torna cansativo ver esses mesmos clichês sendo mostrados mais uma vez, dificultando o envolvimento que o público poderia ter com a história.

Se por um lado “Chemical Hearts” se torna repetitivo ao colocar na tela todos esses clichês, por outro a personagem de Lili Reinheart, Grace, foge totalmente dos padrões da manic pixie dream girl que costumam protagonizar os dramas adolescentes. Se torna então um alívio ver uma personagem tão real e complexa na tela. É interessante assistir a dualidade presente nas emoções da protagonista, que, tendo que enfrentar uma perda repentina e as mudanças sofridas após seu acidente, passa por um processo de luto tangível, com constantes alterações de humor e ainda tentando entender e superar o evento trágico pelo qual passou. Ao interpretar uma jovem tão angustiada, Reinhart – que parece ter nascido para ter uma câmera apontada para seu rosto e é, sem dúvida alguma, o coração do filme – se desvincilha de seu trabalho em “Riverdale” e prova ser uma atriz com grande potencial.

Por fim, mesmo não sendo inovador e não conseguindo se destacar no mar das obras do gênero, “Chemical Hearts” faz reflexões necessárias sobre o que é ser adolescente e tudo que implica essa fase tão delicada da vida (explicar isso utilizando as reações químicas do cérebro é, aliás, uma ótima sacada). Assim, mesmo que haja a sensação de estar assistindo um mesmo filme novamente, ainda é agradável ver temas tão importantes serem abordados com tanto cuidado e de uma forma tão realista. Afinal, como dito por Grace, ser adolescente é “como estar em um limbo”, e qualquer um que consiga retratar isso sem sensacionalismos e exageros já pode ser considerado digno de nossa atenção.

Ana B. Barros
@rapadura

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