Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 01 de agosto de 2020

Questões de Família (2019): trama polêmica, filme baunilha

Filme holandês explora os efeitos da eutanásia em um núcleo familiar num drama genérico, mas carregado de sensibilidade e naturalidade.

A Holanda se tornou o primeiro país a legalizar a eutanásia e essa questão ainda é pouco discutida no Brasil. O longa holandês “Questões de Família” abre uma pequena janela para que se possa observar os efeitos da autonomia na escolha da própria morte, algo que foge do contexto dos brasileiros.

O filme conta a história de três irmãs: April (Linda de Mol), uma atriz de Hollywood que enfrenta problemas em sua carreira e casamento; May (Elise Schaap), uma jovem um tanto inconsequente que ainda não se encontrou na vida; e June (Tjitske Reidinga), a típica supermulher, sobrecarregada com a educação de seus três filhos. As três recebem um chamado da mãe Mies (Olga Zuiderhoek) que faz uma revelação: está com câncer terminal e decidiu partir no dia de seu aniversário. Porém, a uma das filhas deixará sua casa: a que for capaz de cuidar de seu outro filho, Jan (Bas Hoeflaak), que tem autismo.

O longa aborda questões que ainda são tabu nos dias de hoje, como o autismo, a eutanásia, liberdade sexual feminina e  – com muitas ressalvas – transgeneridade. No entanto, esses temas são retratados com muita naturalidade, diluídos em cenas leves e até mesmo cômicas. Mies é uma personagem cativante, Zuiderhoek tem presença e articula bem seu papel como matriarca e isso aliado ao bom subtexto que o roteiro implementa. Tal característica faz com que o público consiga imaginar a história de vida da mulher, e facilita a empatia do espectador em entender a falta que ela deixará naquele núcleo familiar. A jornada de April e a forma como esta se entrelaça com a de Jan, também se mostra interessante. Contudo, as outras duas irmãs, principalmente May, ficam perdidas em suas subtramas e têm fechamentos dignos de novela.

Embora a trama explore brevemente a normalização da liberdade sexual feminina – quando a mulher tem controle sobre quais e quantos parceiros deseja, livre de julgamentos – a obra se fecha demais no conceito de felicidade e plenitude, atribuindo ao sexo oposto a solução de vida para todas as personagens. Além dessa grave problemática, o roteiro perde a chance de trabalhar a personagem trans com profundidade. Sua história é apenas mencionada, brevemente e, embora sua existência seja introduzida de forma natural, o diálogo que a insere carrega uma visão problemática. Este fato poderia ser compreendido como sendo uma ótica distorcida de Mies, uma mulher cis, mas o roteiro não se responsabiliza em contextualizar este fato. De mais a mais, sua aparição breve nos momentos finais é feita desnecessariamente pela interpretação de um ator cisgênero.

O ritmo é ligeiramente cansativo e a cinematografia em nada agrega, é genérica. No entanto, o filme não se propõe a ousar ou refletir muito sobre si mesmo. A dinâmica familiar é o que torna a obra envolvente e interessante, além do bom trabalho de atuação de boa parte do elenco. No geral, consegue promover reflexões sobre a morte, perda e legado, temas que muitos costumam evitar de pensar, mas estão intrinsecamente ligados à humanidade.

Tayana Teister
@tayteister

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