Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 17 de julho de 2020

Greyhound: Na Mira do Inimigo (Apple TV+, 2020): o poder do não dito

Tom Hanks escreve e estrela este thriller de guerra que equilibra suas cenas de ação com um conteúdo dramático à altura do potencial do ator.

Se o papel é de capitão, Tom Hanks é o cara para isso. Em “Greyhound: Na Mira do Inimigo“, o ilustre ator não só protagoniza a história como o capitão Krause, como também é responsável pelo roteiro adaptado do livro “O Bom Pastor” de C. S. Forester. Trata-se de um conto de guerra naval fictício, mas que recria com detalhes históricos como foram os conflitos no meio do Oceano Atlântico durante a Segunda Guerra Mundial, com todas as restrições tecnológicas da época. Bastante enxuta para uma obra de ação em termos de duração, a narrativa não perde a oportunidade de entregar um sólido drama costurado entre sequências explosivas.

Greyhound é o nome do navio que lidera uma escolta marinha de outras trinta e sete embarcações que levam tropas e recursos para Liverpool pelo norte do Atlântico. O problema é que, por um período de cinquenta horas, eles precisam navegar por uma área sem suporte aéreo, ou seja, o momento ideal para se tornarem alvo de submarinos alemães. Se não bastasse o desafio, esta é a primeira vez que o religioso comandante Krause realiza o trajeto. Executar tamanha responsabilidade com a simples tecnologia de defesa e comunicação disponível passa a ser então um verdadeiro salto de fé.

Assim como em “Dunkirk“, por exemplo, a montagem desse filme é seu maior destaque. Não pela relativa curta duração, mas pela objetividade com que a história é contada. E também não é pela plasticidade que cenas de ação oferecem, pois a trama segue os dilemas e decisões de um protagonista com uma missão demasiadamente pesada em relação à sua experiência. A insegurança do comandante, que não pode demonstrá-la na frente dos subalternos para não afetar o moral da equipe, aparece no brilhantismo da atuação de Tom Hanks com o mínimo de apoio em diálogos. Há então dois filmes ocorrendo simultaneamente: um de guerra, cheio de tensão e explosões, e outro marcado pelo conflito interno do personagem.

Os atos do roteiro são divididos com a precisão de uma régua, garantindo que as sequências de ação sejam costuradas por momentos de certo alívio. No entanto, é a cada respiro que se acumulam os efeitos da pressão sentida pelo protagonista. Seu texto não menciona os riscos da trama em voz alta. Pelo contrário, o pensamento daquelas figuras pode ser lido sem necessidade de exposições dramáticas a cada plano de reação marcado pelo diretor Aaron Schneider. Além dessa camada dramática, a adaptação igualmente se preocupa em ilustrar a marinha norte-americana e seu modo de trabalho (vocabulário, estratégias e manobras), assim como principalmente a relação dos profissionais com a tecnologia que possuíam (sonares, ferramentas manuais e códigos cifrados). Supondo verossimilhança histórica, a produção serve como objeto de pesquisa pela quantidade de detalhes que se importa em retratar.

Quanto à razão de ser – os conflitos marítimos – não há diferencial espetaculoso em “Greyhound” além do modo como o combate é executado. Em outras palavras, a pirotecnia não chama atenção para si. É a integração dos efeitos especiais com a fotografia capturada que se revela eficaz e transmite de maneira envolvente as sensações de movimento, frio, desorientação, som, vento, luz, água, etc. Apesar do pretexto dos embates, a perspectiva do drama nunca deixa os olhos do capitão, o que fortalece a integridade da narrativa e constrói a sensação de eficiência que se atribui ao filme.

O filme foi inicialmente destinado aos cinemas, entretanto, a distribuição acabou ficando exclusivamente por streaming, via Apple TV+. Isso e os elementos esperados de um thriller de guerra podem atrair um público mais interessado num espetáculo de ação do que num drama introspectivo. Dessa forma, esse formato de exibição, que geralmente é mais favorável à dispersão, pode também fazer com que a riqueza dos detalhes não seja tão percebida ou valorizada. Fica o convite para observar o poder do que não é dito em palavras neste filme e apreciar o domínio da atuação de Tom Hanks. O papel do homem fragilizado pelas circunstâncias já é conhecido, mas nem por isso pouco marcante. Fica também a dica de uma sessão dupla com o clássico alemão “Das Boot – O Barco” de 1981, que se coloca no mesmo local e momento histórico só que pela visão dos submarinos inimigos.

William Sousa
@williamsousa

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