Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 17 de julho de 2020

Jurassic Park – Parque dos Dinossauros (1993): colossal adaptação [Clássico]

Steven Spielberg e Michael Crichton criaram uma fantástica e incomparável obra, cujas discussões e inovações tecnológicas não envelhecem nem décadas após seu lançamento.

Jurassic Park – Parque dos Dinossauros” é um marco cinematográfico. Ainda mais que isso, é uma obra formativa para toda uma geração, que despertou tanto o gosto para a ciência quanto para o cinema. Seu lançamento foi em 1993 e representou um salto de criatividade e técnica tão alto em termos de som e efeitos visuais que, mesmo quase três décadas depois, continua a ser visto como uma impressionante façanha artística. Dentre os grandes responsáveis, dois autores se destacam para a história: Steven Spielberg e Michael Crichton.

Antes mesmo da publicação do livro “O Parque dos Dinossauros“, em 1990, a Universal já tinha os direitos da adaptação e de um roteiro escrito pelo próprio criador do material original. Com um enredo fantástico sobre o extraordinário, não havia ninguém melhor que o diretor de “Tubarão” e “E.T. – O Extraterrestre” para encabeçar a produção. Foi um encontro de duas visões nascidas uma para a outra. Crichton fez seu nome na literatura com um tema recorrente: ciência e natureza não podem ser controladas. Dentre suas obras extrapoladas para o audiovisual estão “Congo“, “Twister“, “Linha do Tempo” e “Westworld“, por exemplo. Entretanto, com “Jurassic Park” veio a oportunidade de realizar algo maior.

Dinossauros sempre foram assunto de certo interesse, especialmente por crianças, e por diversos motivos, inclusive educacionais. Porém, a novidade que os anos 1990 trouxeram além da “dinomania” e do estado da arte no audiovisual foi: “e se” essas criaturas pudessem existir nos tempos de hoje? Várias sequências depois apontam que a questão continua a assombrar. Poderia a ciência trazer esses seres de volta? Pelo menos na tela grande a resposta é sim. E é aqui que a adaptação começa a ter sua própria identidade, modificando o tom do livro. Spielberg e equipe sabiam que o filme teria o impacto e a comoção de ver dinossauros tão próximos do real, por isso exploraram tanto a magia quanto o horror que essas criaturas representam. Quando os protagonistas finalmente veem um braquiossauro, também foi a primeira vez que o público teve contato com o poderoso tema musical de John Williams e o majestoso enquadramento do cineasta. Poucos momentos da história do cinema são tão marcantes quanto esse.

O toque spielberguiano na obra original começa com os personagens. Uma marca recorrente em suas produções é a formação de uma família inusitada, ainda que no sentido conservador da palavra. A figura paterna está no papel de Alan Grant (Sam Neill) e também no vovô excêntrico e bonachão John Hammond (Richard Attenborough), enquanto a “mãe” é representada pela Dra. Sattler (Laura Dern) e os “filhos” por Tim (Joseph Mazzello) e Lex (Ariana Richards). Todos modificados para atender a forma de família improvisada de Spielberg e não à toa, pois são projeções do público que propõe atrair. Em sua filmografia, raros são os casos em que a trama é centrada em mulheres, consequentemente, ele tende a ser androcêntrico. Porém, aqui é dado um papel de ação maior à Laura Dern e a função de Tim e Lex foi invertida em relação ao livro, o que foi um passo positivo no sentido de buscar melhor equilíbrio. Concessões precisaram ser feitas em relação a outros personagens da versão literária, mas todas trabalharam a favor do projeto, especialmente as caracterizações de Wayne Knight (o programador Dennis Nedry) e de Attenborough. O experiente ator e cineasta não traz a arrogância do Hammond original, mas faz o mesmo contraponto com o matemático Ian Malcolm (Jeff Goldblum) e de maneira até óbvia demais pelo figurino – Ian veste negro enquanto John veste branco.

O cineasta também retoma um assunto trabalhado quase vinte anos antes em “Tubarão“: homem versus natureza. No entanto, essa é a especialidade de Crichton, que tem muito mais a oferecer em suas páginas. Além disso, a famosa estratégia atribuída ao realizador de adiar ao máximo o aparecimento do monstro para criar expectativa também nasceu de “Tubarão” e aqui é reciclada na forma do Tiranossauro Rex e dos Velociraptores. Porém, o autor já havia aplicado a mesma cartilha e, como visto no filme, posterga a ameaça das criaturas mais perigosas para gerar tensão. Falando sobre os grandes “vilões”, era essencial que a produção recebesse uma restrição etária mínima por motivos financeiros (no Brasil, conseguiu a classificação livre), por isso a violência e o horror são sugeridos com maestria. Enquanto o texto prévio descreve cada litro de sangue e vísceras derramados, a versão cinematográfica não economiza em lama, chuva, saliva, excrementos e nos ferimentos, recriando aspectos extremamente sensoriais na cabeça do público. Louros devidamente divididos com os responsáveis pelos excepcionais e inesquecíveis efeitos sonoros.

“Jurassic Park – Parque dos Dinossauros” é uma produção grandiosa em diversos sentidos que vão além do tamanho daqueles seres. Desde a amplitude do formato escolhido pelo cineasta à sua bilheteria, que manteve o recorde de maior arrecadação da história por cinco anos até o lançamento de “Titanic“. Provocou discussões sobre o domínio (ou fragilidade) do homem sobre a natureza, que antecederam a clonagem da ovelha Dolly e se desdobram até a pandemia do coronavírus de 2020 – afinal tanto Spielberg como Crichton fizeram uma carreira alertando contra a priorização da economia antes da hora. Sequências como a do primeiro ataque do tiranossauro e da perseguição dos velociraptores na cozinha são exemplos do brilhantismo do diretor. A obra cinematográfica é igualmente uma evolução do thriller literário, pois transforma a séria e sangrenta ficção científica numa divertida aventura comparável a uma montanha-russa. De certa maneira, o filme entrega exatamente as emoções que se esperaria de um verdadeiro parque com dinossauros, mas na segurança de uma sala de cinema.

William Sousa
@williamsousa

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