Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 04 de julho de 2020

Viveiro (2019): expectativas frustradas

Obra de Lorcan Finnegan apresenta um bom conceito, porém peca ao entregar uma execução morna.

Estreando em um momento propício para gerar discussões sobre isolamento e seus efeitos no indivíduo, “Viveiro” conta a história de um jovem casal, Gemma (Imogen Poots) and Tom (Jesse Eisenberg), que estão em busca de um imóvel para comprar. Após serem atraídos por um estranho corretor de imóveis até um conjunto habitacional com casas idênticas, ambos se encontram presos em uma dessas casas através de amarras sobrenaturais, sendo obrigados então a cuidar de uma criança como passe para serem liberados no futuro.

Dirigido por Lorcan Finnegan e roteirizado pelo mesmo em parceria com Garret Shanley, “Viveiro” pode ser comparado a episódios das séries “Além da Imaginação” e “Black Mirror”, que também tratam de acontecimentos bizarros. Apesar de ter 97 minutos de duração, talvez um formato mais curto realmente fosse o ideal para a obra de Finnegan: com um ótimo e envolvente primeiro ato, o filme não consegue ter o mesmo desempenho satisfatório nos dois restantes. Os mistérios ao redor da casa e da criança continuam intrigantes durante a narrativa, porém ele não apresenta nada particularmente empolgante pelo resto do seu tempo, andando em círculos e pegando fôlego novamente apenas nos seus minutos finais. E mesmo os aspectos interessantes apresentados em tal momento fogem da singularidade da premissa inicial.

O longa, por outro lado, apresenta ótimos elementos técnicos. O tom é bem construído pela ótima cinematografia e locações eficientes: as casas do complexo parecem saídas diretamente de uma casa de bonecas, e lembram o estilo de Tim Burton em algumas das suas obras, como na vizinhança de “Edward Mãos de Tesoura“, por exemplo. Até as nuvens têm a forma exata de desenho, algo que não passa despercebido pela personagem de Poots. Lá, o artificial é a regra e qualquer coisa que lembre algo real não está presente. A quase falta de trilha sonora ajuda a aumentar essa sensação enervante de que eles estão mais sozinhos do que nunca. Os movimentos de câmera, principalmente no primeiro momento em que Tom e Gemma estão tentando deixar o complexo e não encontram a saída, realçam a claustrofobia ao mostrar a planta do local junto a movimentos que trazem desconforto. A cinematografia de MacGregor captura essa sensação de claustrofobia, utilizando muito bem cenas sobrepostas para retratar o desespero dos personagens. A mistura incômoda de verde e vermelho em diversas cenas amplia esse sentimento. Apesar de se passar em um espaço pequeno, visualmente o filme não se torna cansativo, por apresentar sempre alguma bizarrice inerente ao lugar estranho onde eles estão inseridos.

Em tempos de distanciamento social, a audiência será capaz de ter empatia pela situação onde os protagonistas se encontram. Presos em um local sem perspectiva de quando poderão sair, com suas feições sempre desgastadas diante do abismo que é sua impotência ao enfrentar tal conflito, eles aproveitam qualquer oportunidade que uma ação ínfima pode trazer de distração para sua presente realidade. Porém, a obra se perderia menos no segundo ato se abordasse mais a fundo questões que envolvem tal aspecto da narrativa, mas que são deliberadamente excluídas do roteiro, como a adaptação inicial de Tom e Gemma à sua nova realidade e como se adequaram à chegada do bebê desconhecido. É estabelecido que algum tempo se passou entre cada mudança, mas como aconteceram tais alterações e como eles conseguiram aceitar que sua vida toda estava para trás são questões que poderiam deixar o roteiro mais eficiente e interessante, e ajudar a audiência a se conectar ainda mais com os personagens além do aspecto de isolamento da narrativa, mas que ficam de fora em favor de tramas não tão atraentes.

Muitas vezes apenas apresentar uma situação difícil é o suficiente para entreter e envolver o público, mas em “Viveiro” parece que uma peça do seu quebra-cabeça está perdida. Apenas no terceiro ato os protagonistas falam mais sobre seu relacionamento antes de sua nova realidade, e apesar de ser um momento tocante, acaba sendo tarde demais. De qualquer forma, Eisenberg e Poots entregam boas atuações, que casam com o que o texto pede de ambos.

A partir de seus quinze minutos finais, “Viveiro” abre mão de sua originalidade e começa a engatar um desfecho previsível, que deixa mais perguntas em aberto do que respondidas, num contexto onde saber mais poderia elevar o status da obra. Deixando um gosto amargo na boca do espectador por prometer tanto e entregar pouco, o filme acaba se tornando uma experiência tão intrigante quanto frustrante.

Lívia Almeida
@livvvalmeida

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