Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 08 de junho de 2020

A Vastidão da Noite (Prime Video, 2020): ficção-científica à moda antiga

Suspense e ficção-científica com boas doses de nostalgia, baixo orçamento e muita qualidade.

Uma televisão em preto e branco anuncia o começo do programa chamado “Teatro do Paradoxo”. A abertura indica se tratar de um seriado de ficção e o narrador apresenta o nome da história que será transmitida a seguir: “A Vastidão da Noite”. Fica claro, logo nesses primeiros minutos, que a inspiração direta do filme é o seriado “Além da Imaginação”, responsável pela formação de diretores como John Landis (“Um Lobisomem Americano em Londres”) e Steven Spielberg (“Tubarão”), para citar somente dois. É como se tivesse sido localizado um episódio especial da série clássica que nunca chegou a ir ao ar, e esse episódio é excelente.

Em nenhum momento o diretor estreante Andrew Patterson tenta esconder suas referências. Muito pelo contrário, é possível intuir as obras da cultura pop que incentivaram ele a tocar o projeto e, melhor ainda, nada é posto na tela à toa. Com um baixo orçamento, sobra em “A Vastidão da Noite” inventividade na maneira de contar a história e habilidade em registrar as cenas que se desenrolam.

Na trama, uma partida de basquete movimenta boa parte dos quase quinhentos habitantes da cidade fictícia de Cayuga, mas a jovem telefonista Fay Crocker (Sierra McCormick) e o radialista Everett Sloan (Jake Horowitz) não terão folga. Eles são amigos, mas não poderão desfrutar do jogo ou da companhia um do outro já que trabalham em pontos distantes da cidade. No entanto, estranhas interferências vão afetar suas atividades e movimentar muito a noite deles.

É possível que o público tenha a sensação de já ter visto ou ouvido uma história como essa antes. Só que o importante aqui não é o que acontece e sim como acontece. De que maneira a história é contada, com quais ferramentas. É como se nada fosse realmente novo, mas tivesse um frescor. Os diálogos, assim como a frequência das ondas de rádio, não param um segundo. E, tendo uma telefonista e um radialista como protagonistas, é de se esperar que as conversas sejam rápidas, divertidas e ininterruptas. O roteiro aparenta ser simples, porém expõe com habilidade o contexto e anseios da época: a vontade de imaginar e viver as revoluções tecnológicas do futuro, o medo do comunismo e da União Soviética (que soam irônicos na situação atual) e o sentimento eterno da juventude de desejar viver algo maior, diferente e empolgante.

É o tipo de filme que prende a atenção, sem precisar dos exageros hollywoodianos. Não há explosões ou tiroteios gratuitos, apenas suspense na medida certa. Uma ficção-científica à moda antiga que parece ter sido criada nos mesmo anos 1950 quando se passa a história, talvez em uma cidadezinha parecida com Cayuga, quase que saída de um faroeste. Um local no qual praticamente todos dividem e contam as mesmas histórias, como aquela do esquilo que roeu os fios do colégio, porque é caso mais curioso de que eles se lembram.

Parando por um momento os elogios, a iluminação usada busca emular a época e ajudar na criação do suspense, ainda assim é mais escura que o ideal e a sincronia dos diálogos parece um pouco desarranjada no primeiro terço do longa. Só que o contraponto vem, como no travelling (movimento de câmera no qual se filma como se ela estivesse “viajando” pelo cenário), que ocorre também no começo e é simplesmente excelente, de dar inveja a muito cineasta experiente.

O diretor Andrew Patterson entrega em “A Vastidão da Noite” uma obra completa por si só, que explora a nostalgia, mas não como muleta. É um filme de quem ama o audiovisual para quem ama o audiovisual.

Hiago Leal
@rapadura

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