“Pizzagate“, o caso de Seth Rich e as eleições presidenciais em 2016 e para o senado em 2018 nos Estados Unidos têm, pelo menos, um ponto em comum e um desenrolar estranho para boa parte do público brasileiro, apesar de terem tido destaque na mídia estadunidense. O que aproxima esses eventos, e já faz parte do vocabulário dos noticiários e discursos políticos no Brasil, são as fake news. No documentário “Depois da Verdade: Desinformação e o Custo das Fake News”, da HBO, o diretor Andrew Rossi (“Bronx Gothic”) busca traçar um panorama sobre as notícias falsas e o impacto que elas têm na sociedade.

Em todos os anos, o dicionário britânico Oxford elege uma palavra emblemática que tenha sido relevante social e culturalmente. Em 2016, a palavra eleita foi “post-truth” (pós-verdade, em tradução literal). O significado desse termo, que parece semelhante ao “Depois da Verdade” do título do documentário, é o conceito de fatos objetivos serem menos capazes de moldar a opinião pública do que o apelo à emoção e a crenças pessoais. Entender isso é a chave para digerir como e porque as fake news são tão difundidas e como os diversos exemplos de mentiras criadas no cenário eleitoral estadunidense puderam se espalhar tanto, por mais surreal que sejam os casos.

No documentário, o exemplo usado na abertura é o das teorias conspiratórias que surgiram quando a cidade de Bastrop, no estado do Texas, foi escolhida como base para um treinamento do exército. Logo foi levantada a ideia de que o local, do estado que vem sendo governado pelo partido republicano desde 1995, seria alvo do governo federal comandado à época pelo democrata Barack Obama, não para um exercício militar, mas para a implantação da Lei Marcial de repressão aos civis. Mesmo sem nenhuma evidência sobre essas intenções, a teoria se espalhou rapidamente e gerou diversas reportagens abordando o tema. É importante ressaltar que o filme explora mentiras e conspirações criadas pelos dois principais partidos dos EUA e consegue isso através de depoimentos impressionantes de pessoas que se dedicam a produzir fake news. São os bastidores das notícias falsas.

Um documentário, por vezes, é tão bom quanto os seus entrevistados e as falas que são extraídas destes. Nesse quesito, o filme é um trabalho impressionante. Youtubers e influenciadores digitais que atuam em diversas redes sociais têm suas falas e especulações entrecortados por declarações de profissionais dos mais importantes veículos de comunicação da imprensa. Trata-se de indivíduos com décadas de trabalho nas costas pela BBC, CNN, The New York Times, The Washington Post e até mesmo de sites mais novos como o Buzzfeed.

Infelizmente a obra afasta o público médio, que deveria ser o foco, em razão da densidade do que é oferecido e também pela quase necessidade de conhecimento prévio desse emaranhado de termos e conceitos. Da mesma forma que a imprensa peca ao não produzir as notícias e trabalhar a informação de forma clara, simples e acessível, a narrativa carece de um didatismo que poderia ser muito bem explorado com recursos visuais e infográficos que seriam mais interessantes do que tipografias, combinando com o tema.

Mais uma vez Andrew Rossi entrega um filme com cerca de uma hora e meia de duração, uma marca registrada do seu trabalho desde o segundo longa. Só que a impressão é de durar muito mais, não pelo filme ser arrastado, mas pela carga pesada que o conteúdo carrega. 

Notícias mentirosas criadas com o propósito de difamar um político, partido ou figura pública não são novidade, nem na terra do “Tio Sam” nem em lugar nenhum no mundo. Agora, isso amplificado pelos teóricos da conspiração de plantão (através do anonimato da internet) com os fóruns gigantescos e as redes sociais com bilhões de usuários é algo jamais visto na história da humanidade. Por isso que, além de um documentário imprescindível, “Depois da Verdade: Desinformação e o Custo das Fake News” também pode ser visto como um filme de terror, baseado em fatos e sobre mentiras.