Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 02 de junho de 2020

O Segredo da Floresta (2019): terror sem sal

Terror independente gravado nos EUA e na Índia não faz jus à cinematografia média dos dois países e serve somente como exercício de cinema insosso.

O Segredo da Floresta” é uma produção independente de terror filmada entre EUA e Índia por Vikram Jayakumar. Com aparente baixo orçamento, a trama segue um casal em viagem para um pequeno resort no país asiático, mas perto de um vilarejo onde coisas estranhas estão acontecendo. Após presenciarem um ritual de exorcismo, os protagonistas cometem a imprudência de resgatar uma menina sem entender as circunstâncias em torno da situação e, é claro, isso se prova uma má decisão.

Amy (Vanessa Curry) viaja à Índia por desejo do seu namorado Jay (Sahil Shroff) para que ela possa conhecer seu país. Os dois se hospedam num resort isolado e vazio com os auxílios do prestativo funcionário local Navin (Subrat Dutta) e lá se envolvem de modo insensato em questões sobrenaturais do povoado próximo. O tom da história é introduzido por um cold open, um teaser relativamente eficaz que ambienta o mistério por trás de uma floresta e alguém trancado num abrigo no meio dela. Infelizmente, o filme não consegue ser melhor que sua sequência de abertura.

Para começar de maneira positiva, a fotografia escura e consistente é o fator exercitado com mais segurança. Do mais, não há nenhum aspecto que destaque a obras de outras centenas já realizadas todo ano pelo mundo. Vikram é um cineasta iniciante e contribuiu não só com a direção, mas também com o roteiro, montagem e trilha sonora. Grandes problemas técnicos presentes nascem justamente nessa combinação de departamentos. Não contar com uma equipe mais diversa que promova a qualidade final certamente limitou o resultado para o máximo que ele foi capaz de executar sozinho.

Algumas cenas são construídas como jump scares inexplicáveis – algo inadmissível nas filmagens em 2019, quando tais técnicas estão na primeira página do manual dos clichês cinematográficos. O controle da composição da trilha tenta amplificar a emoção das cenas, mas não traz nenhuma identidade ao filme. A música acaba se tornando o sal ou o ketchup exagerado que se põe na comida para tentar disfarçar um gosto ruim. A estranheza na montagem das sequências deixa perceptível a pobreza criativa. Sons de cenas chaves não dialogam com as imagens, como se nenhum elemento sonoro tivesse sido capturado durante as gravações e muito menos reconstruídos ou preparados com cuidado na pós-produção. Modificações arbitrárias na velocidade dos quadros para estender o tempo de certas cenas compromete a fluidez e afasta o espectador de uma história que não seria difícil de mergulhar. Todos esses são elementos técnicos vitais para que uma obra de terror funcione de maneira básica, mas aqui apresentam problemas.

A receita, portanto, reúne uma lista abrangente de ingredientes comuns no gênero: criança estranha, rituais suspeitos, isolamento, contexto misterioso e escuridão. Porém, a simples união desses fatores não sobrevive além do trailer sem personagens cativantes que amplifiquem a sensação de perigo, sem peças inteligentes de roteiro que prendam a atenção do espectador, sem um subtexto ou moral direcionando a narrativa. Fazendo comparações injustas, mas válidas, a mesma premissa se encaixaria melhor num episódio de “Arquivo X” (com protagonistas com melhor desculpa para se meter na mesma situação) ou como um projeto de Ari Aster, capaz de criar camadas de significado ao terror a partir do drama pessoal dos personagens em “Hereditário” e “Midsommar“. A insipidez do relacionamento frágil de Amy e Jay poderia até servir como permissão para aumentar o nível de sanguinolência sem abalar o público, como provavelmente faria Eli Roth de “Canibais” e “O Albergue“; e a abordagem do mistério em torno da menina teria sido o possível foco de Andy Muschietti de “Mama” e “It – A Coisa” ou até mesmo M. Night Shyamalan.

Ao lado de tudo que já foi feito antes no terror, Vikram não persegue nenhuma direção que destaque seu filme. Decisões estranhas como fazer Navin girar em torno de Jay e do eixo da câmera sem motivo algum numa cena fazem com que até as atuações ruins sejam perdoadas pelo benefício da dúvida de uma má direção de atores. “O Segredo da Floresta” resta como um simples exercício de cinema independente, uma experiência para se aprender e acrescentar no portfólio técnico, além de ser um projeto a mais para encorpar a lista de produções do estúdio responsável. Para o espectador, infelizmente, não sobra nada de especial. E de marcante, somente uma sequência inserida durante os créditos de forma tão perdida na história que acaba sendo constrangedoramente notável.

William Sousa
@williamsousa

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