Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 29 de maio de 2020

18 Presentes (Netflix, 2020): amor em 4D

Belo e emocionante drama italiano sobre o amor incondicional de uma mãe apresenta roteiro que dá espaço para as interpretações dos atores brilharem acima de tudo, e por isso toca profundamente quem assiste.

O cinema italiano marcou muita presença no Brasil. O neorrealismo, por exemplo, serviu de inspiração para vários movimentos, como o Cinema Novo. Anos mais tarde, diretores como Bertolucci e Benigni caíram no gosto do povo. Na última década, entretanto, a Itália perdeu o seu holofote cinematográfico. O material mais consumido ainda é o do século passado e ver filmes italianos passou a ser considerado “cult” e perdeu a contemporaneidade. Porém, com a ascensão de plataformas de streaming onde, no caso da Netflix, há um espaço reservado só para filmes estrangeiros, está havendo um fenômeno de internacionalização do conteúdo e diversidade. É o caso de “18 Presentes”.

Não se deixe enganar pelo título brega, esse filme é um verdadeiro “presente”. No início do drama apresenta-se Anna (Benedetta Porcaroli), uma menina que recebe em todo aniversário um presente que a mãe deixou comprado antes de morrer, logo após o parto da filha, devido a um tumor. Acompanha-se os momentos de abertura dos presentes e suas reações ao longo dos anos, nos quais a alegria se transforma em raiva e não aceitação. Até o dia do seu aniversário de 18, quando durante um ato de rebeldia sofre um terrível acidente, mas que graças a isso tem a oportunidade de conhecer a falecida mãe. 

Por conter várias passagens de tempo, o espectador observa diversas mudanças na direção de arte e fotografia que são muito eficientes na criação e ambiência, principalmente para quem vivenciou o início dos anos 2000. Falando em fotografia, muitas vezes ela tem um “quê” documental, não só nos momentos óbvios que simula um home video, mas num modo geral, bem intimista, lembrando a estética do já mencionado neorrealismo.

Tal movimento cinematográfico também parece influenciar o roteiro que é feito de diálogos simples, mas que deixam espaço para uma atuação de cair o queixo, principalmente da atriz Vittoria Puccini que interpreta a mãe, Elisa. Sobre ela, já fica adiantado aqui: prepare os lencinhos. Essa personagem vai te fazer se sentir ora na pele dela, portanto, você sofre sobre o câncer junto, ora filho dela, de forma que seu amor se torna quase palpável. Amor esse que não é construído de imediato, ele fica implícito em gestos sutis e olhares. Ainda há uma terceira e muito importante figura que é a de Alessio (Edoardo Leo). O personagem é muito tocante e, de seu jeito próprio, é o marido perfeito tentando ser também “pãe” e não deixar nada faltar para a filha. Anna tem um arco de personagem ascendente, onde passa de uma adolescente rebelde para uma jovem adulta com um pouco mais de causa, que faz de tudo para aproveitar a oportunidade de estar com e conhecer a mãe.

Observa-se a trajetória das duas personagens e a quantidade de dor e sofrimento envolvida. Afinal, Elisa desconhece quem Anna é, e a filha por sua vez não sabe até quando poderá ficar com a mãe, mas tem conhecimento da sua doença e qual será o seu fim. Esse sentimento de angústia acompanha o espectador o tempo todo e você se pega num estágio de loucura, dialogando com o filme, querendo contar tudo para Elisa. O longa acaba e quando você pensa que já acabou também o estoque de lágrimas, aparecem letrinhas que formam a frase: “Inspirado em uma história real”. 

É o tipo de obra que você aceita, abraça até mesmo os seus pequenos clichês e perdoa alguns closes em que Benedetta Porcaroli tem expressões tão vazias quanto Kristen Stewart em “Crepúsculo“. Ou ainda o fato de que não tem uma trilha grandiosa, talvez porque nem precise. Ao assistir “18 Presentes”, o espectador concorda em subir em uma montanha-russa de emoções e sensações desde o início. Pode-se dizer que é uma excelente forma do cinema italiano voltar a cair no gosto brasileiro.

Maduda Freitas
@MadudaFreitas

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