Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 07 de junho de 2020

#RapaduraRecomenda – A Sala de Fermat (2007): mistério + matemática = diversão

O que é o que é? Quatro matemáticos presos numa sala resolvendo problemas para sobreviver. Este thriller espanhol se inspira em charadas lógicas e jogos de fuga para produzir um mistério divertido e sem pretensões.

Reunir personagens em um ambiente enigmático de onde precisam sair se tornou uma trama recorrente no cinema a ponto de definir o subgênero “escape room”. Apesar de existirem clássicos seminais no século XX, como “A Casa dos Maus Espíritos” de 1959, foi o cult “Cubo” de 1997 que inaugurou uma onda desses filmes nos anos 2000. Em 2007, a Espanha produziu o seu: “A Sala de Fermat” enclausura quatro matemáticos numa sala armadilha resolvendo problemas para escapar.

Após um rápido prólogo posicionando o ator Alejo Sauras como o protagonista Galois, outros personagens com codinomes de célebres matemáticos (Pascal, Fermat, Oliva e Hilbert) se reúnem para um suposto jantar num local isolado após um convite instigante. Não demora para descobrirem que estão presos num cômodo desenhado para esmagá-los se não resolverem charadas recebidas eletronicamente. É claro que o mistério se estende à identidade daquelas figuras e o motivo por trás do jogo mortal.

Com um roteiro que não exigiu grande orçamento para executá-lo, o entretenimento nasce do suspense construído em torno de indivíduos dispostos como uma peça de teatro. A presença dos enigmas enquadra a obra como filme de “escape room”, mas, antes de tudo, ele é um thriller do tipo “whodunnit” (do inglês “quem é o culpado?”), que quando é bem escrito não requer grandes elementos cinematográficos para divertir. É exatamente esse o seu caso, pois apesar de apresentar esses quatro estudiosos, sua trama não é nada pretensiosa.

Por um lado, usar a matemática como pano de fundo para a premissa levanta expectativas quanto à complexidade tanto do enredo quanto das charadas. No entanto, o que se entrega é algo bastante degustável para qualquer público. Os diretores Luis Piedrahita e Rodrigo Sopeña entendem que o objetivo é entreter e não alienar a audiência com situações difíceis de compreender. Isso se reflete até no nível dos quebra-cabeças em si, que seriam muito bobos para verdadeiros cientistas da área, mas não para alguém em busca de passatempo. O clima remete até a uma série infantil brasileira dos anos 1980, “As Aventuras do Tio Maneco – Heureca”, que era recheada de situações que exigiam resolver mistérios com a ajuda dos números.

O ritmo de “A Sala de Fermat” não cede à tentação de gastar tempo demais com os enigmas e nunca perde o foco primário de construir o suspense com o desenrolar da narrativa. Diferente do que se esperaria pela situação mortal, a tensão não vem de claustrofobia nem da iminência de morte. A iluminação e o cenário não exploram esse tipo de sensação desconfortável. Os realizadores preferem valorizar o mistério por trás da intenção dos personagens, deixando a história muito mais leve para o consumo, especialmente quando comparada à sanguinolência de “Jogos Mortais” e do próprio “Cubo”, maior referência justamente por também usar a matemática como parte essencial da trama.

Sem ousar demais evitando comprometer a acessibilidade, este thriller espanhol entrega uma história divertida, mesmo que inverossímil para reais matemáticos. O cinema raramente é fiel no retrato de personagens cientistas, então por jurisprudência histórica não dá para ser exigente aqui também. A verdadeira inteligência da produção está na maneira de fazer cinema com pouco: contar uma história relativamente simples, de maneira visualmente econômica, mas sem minimizar o potencial de diversão despretensiosa. Tudo isso no fim das contas é o objetivo do grande público.

William Sousa
@williamsousa

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