Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 17 de maio de 2020

She-Ra e as Princesas do Poder (Netflix, 5ª Temporada): a força de relacionamentos

Série é encerrada amarrando todas as pontas soltas, evoluindo a iconografia da original, dando um show de representatividade e uma aula de desenvolvimentos de personagens.

Ao final da quarta temporada de “She-Ra e as Princesas do Poder”, muitas mudanças haviam acontecido: A espada foi quebrada, Adora não era mais a She-Ra, Cintilante foi capturada e o Mestre da Horda havia chegado com seu exército. Some isso às outras inúmeras subtramas correntes e o susto tomado quando foi revelado que a quinta seria a última temporada da série se justifica. Afinal, como dar conta de tanta coisa em apenas 13 episódios de 20 minutos? O medo de que a trama seria apressada encontrava esperança apenas na showrunner Noelle Stevenson, que declarou numa entrevista que tudo havia sido planejado anteriormente. Ao final do animador último episódio, é fácil cravar: Esta animação é um dos produtos da mais alta qualidade feito para o público infantil no segundo milênio.

O cenário de um mundo de fantasia e mágica, com a ameaça sombria da guerra, aventuras de primeira intercaladas por bons e leves momentos de comédia foi bem balanceado com várias relações complexas entre os personagens. Um baita avanço que trouxe a franquia para o segundo milênio ao deixar de ser apenas uma série para alavancar vendas de ótimos brinquedos, dando um passo de enorme importância para a representação da pluralidade existente na raça humana, e fornecendo um texto que soube trabalhar uma grande quantidade de personagens de maneira à explorar suas camadas e suas inseguranças, fazendo com que Adora e cia fossem muito mais do que titãs inalcançáveis, mas seres cheios de humanidade que precisam lidar com sentimentos complicados, resultando numa conexão certeira com seu público, também humano.

Na música de abertura, já se menciona a luta entre as trevas e a luz, e o Mestre da Horda (na legenda, Lorde Prime – deveria realmente haver um consenso sobre alguns dos nomes usados para a versão brasileira) se prova o vilão perfeito para espelhar este lado sombrio. Querendo usar o poder do Coração de Etéria para, basicamente, eliminar todos os conflitos e dúvidas e, consequentemente, todos os sentimentos e relações das pessoas, ele busca eliminar o que nos faz humanos. Ao almejar um universo onde todos são iguais a seu ideal, ele se mostra o antagonista que vai na contramão do que é a humanidade: diversa.

Mas a série sempre foi mais do que tudo isso, discorrendo sobre os traumas de relacionamentos abusivos e sobre os poderes de cura dos positivos, e deixando bem claro que nenhum dos dois são fáceis. Felina sempre foi uma antagonista à qual se dá pena de odiar. Cheia de sentimentos mal resolvidos por Adora e Sombria, o peso de traições e abandono sempre foram seu maior obstáculo, sua alma magoada ergueu barreiras impenetráveis que a impediam de se aproximar genuinamente de outra pessoa. Felina nunca soube como ser feliz, como aceitar sentimentos positivos de outra fonte, e a maneira como isso vai, literalmente a afastando de tudo o que é humano – e as consequência psicológicas disso – é brilhantemente retratada na série. Nesta temporada, ela chega a seu pior ponto, onda ela precisa decidir se afunda de vez ou se acha a força necessária para se auto reavaliar e ousar baixar suas defesas. A conclusão de seu arco é uma das coisas mais narrativamente bem feitas desde que a personagem foi criada nos anos 80.

E o que dizer sobre a protagonista Adora/She-Ra? Sua jornada da heroína é cheia de pontos comuns a esse elemento narrativo, indo muito além de ser apenas bem executado. Trazendo uma reviravolta sobre a expectativa de que tal figura seja infalível e invencível, abraçando, sem a menor hesitação, o sacrifício (e essa palavra tem camadas surpreendentes aqui), a série, novamente, honra a humanidade de sua figura central e debate saúde mental.

O ritmo é delicioso. Com tanta coisa acontecendo, é impressionante que o roteiro consiga lidar com tudo sem apressar resoluções. Muita coisa acontece, mas tudo tem seu valor. Todo episódio entrega grande carga narrativa, seja para avançar a trama, seja para evoluir laços entre seus personagens. Todas as princesas do título tem seu grande momento, até mesmo Netossa e Spinerella, que eram quase que apenas figurantes, agora têm destaque, com uma história de amor tocante que tem boa relevância para a história desta temporada. É assombrosa a façanha da obra em conseguir dar o desenvolvimento necessário para tantos personagens, sem nunca apelar para resoluções convenientes.

A série termina com uma temporada cheia de sentimentos fortes, suas melhores sequências de ação, humor bem dosado e um final exuberante, cheio de mensagens de esperança e sem um pingo de pieguice. Ao subir dos créditos finais, fica aquela sensação agridoce de ter que se despedir de tantos personagens adoráveis mesclada com a alegria de uma história bem contada. O sentimento de querer ver o futuro de cada um deles é inevitável e faz parte da melancolia nostálgica que a obra já deixa. A animação mostra como adaptar uma obra antiga para uma linguagem moderna, respeitando sua iconografia e humanizando seus personagens. “She-Ra e as Princesas do Poder” será, para sempre, forte.

Bruno Passos
@passosnerds

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