Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 12 de maio de 2020

Aeroporto Central (2018): a quarentena dos refugiados

Documentário de premiado diretor brasileiro retrata a rotina de refugiados na entrada da Alemanha à espera do visto e isolados da vida urbana. Um espelho para tempos de quarentena.

Filmado antes de “A Vida Invisível”, “Aeroporto Central” é mais uma obra do premiado diretor cearense Karim Aïnouz. Coprodução entre Brasil e França, o documentário estreou no 38º Festival de Berlim, em 2019, e por aqui fez sua passagem nas mostras de São Paulo e no Festival do Rio. Programado para ser lançado em março de 2020 nas salas de cinema, o filme chega agora direto para as plataformas on demand espelhando a atmosfera de isolamento vivida em tempos de pandemia.

O documentário acompanha o uso do aeroporto Tempelholf, no centro de Berlim, durante 2015 e 2019 na triagem de imigrantes refugiados na Alemanha. A história é focada na rotina de Ibrahim Al Hussein, estudante sírio de 18 anos, e Quitaiba Nafer, médico fisioterapeuta iraniano. Habitantes de um lugar provisório e adaptado, nada do que eles têm lhes pertence e suas rotinas são reguladas pela espera de uma atualização de seu status de imigração. Enquanto isso, estão impedidos de saírem dos perímetros do aeroporto. Entre os serviços que prestam dentro da própria instalação, como Quitaiba que auxilia a equipe médica, centenas de pessoas e às vezes famílias inteiras são conduzidas a constantes exames médicos, vacinações e uma rotina de aulas de alemão, adaptando-as à cultura local.

Ao lado do aeroporto central desativado há um amplo parque utilizado nos fins de semana por berlinenses (ou habitantes de Berlim, como Karim) para a prática de esportes e outras atividades ao ar livre. A área não pode ser acessada pelos refugiados, que encontram no caminho cercas de metal. Resta aos mais jovens pulá-las, a fim de escapar da rotina nos cubículos improvisados pelo governo. À parte disso, parece que o único entretenimento que resta é fumar do lado de fora do aeroporto com os amigos, como Ibrahim faz diversas vezes, ou esperar o fim do ano (alguns ficaram lá por mais de um ano), quando se veem os fogos de artifício pela cidade.

A monotonia da rotina dessas pessoas, habitantes de lugar nenhum, é o compasso que rege o filme. De ritmo sereno, o longa é um exercício de paciência em conjunto com seus retratados, enquanto revela, em lindos planos fixos centralizados, as fronteiras da vida humana. Isso porque o diretor e seu fotógrafo, o colombiano Juan Sarmiento, optaram por planos que quase sempre posicionam um elemento divisor da tela, construindo muros visuais que são também simbólicos às fronteiras e distâncias que nos separam.

Os meses vão passando e a temperatura de Berlim muda, de um verão ameno para o inverno europeu. No horário determinado, as luzes do galpão de habitação se apagam, colocando aqueles moradores desse limbo diplomático, entre dois países, um dia mais próximos dos sonhos que sonharão à noite, de uma vida livre e em paz. O documentário ganhou o prêmio da Anistia Internacional no 68º Festival de Berlim. Uma narrativa solidária com o drama daqueles que não têm onde ficar, tampouco para onde ir, num mundo vasto onde todos cabem.

Vinícius Volcof
@volcof

Compartilhe