Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 08 de maio de 2020

Superman: Entre a Foice e o Martelo (2020): os fins justificam os meios?

Animação faz bom trabalho ao adaptar a história em quadrinhos de Mark Millar, trazendo um bom desafio à figura infalível do herói e convidando o espectador a questionamentos políticos intrigantes.

A DC possui um selo chamado “Elseworlds”, cujas publicações colocavam seus personagens em situações imaginárias, que não fazem parte do cânone das histórias em quadrinhos. Baseado na obra homônima, “Superman: Entre a Foice e o Martelo” traz como premissa a pergunta “o que aconteceria se o último filho de Krypton caísse na União Soviética ao invés de nos Estados Unidos?”

Originalmente publicada em 2004 por Mark Millar, o título original da trama e dessa animação é “Red Son” (filho vermelho, em tradução livre), cuja pronúncia é a mesma de “red sun” (sol vermelho). É um título mais interessante porque mistura não só o protagonista como filho adotivo da União Soviética, mas também a importância desse sol na história do Superman.

A narrativa se passa durante a Guerra Fria, tendo todas as implicações políticas de um dos lados ter o homem de aço exploradas. Embora o super-herói procure apenas fazer o que faz de melhor –  ajudar as pessoas, o cidadão comum -, Stalin se aproveita de sua imagem para torná-lo um símbolo de seu governo. Enquanto isso, Lex Luthor, cientista norte-americano tido como a pessoa mais inteligente do mundo, vê a aparição do kriptoniano como seu arquétipo sempre viu: um desafio, uma audácia de existir alguém chamando mais atenção do que ele, não sem se valer de uma boa dose de xenofobia.

O herói, por ter caído numa fazenda coletiva na Ucrânia, cresce com valores socialistas e se a versão clássica defendia, nas palavras de Christopher Reeve, “a verdade, a justiça e o estilo de vida americano”, o soviético luta pelos ideais de igualdade promovidos pelo socialismo. E, na sua missão por um mundo igualitário, sua liderança é conquistada por meio da esperança… ou por meio do medo? Abordando a máxima de que o poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente, questionamentos morais e éticos são ignorados subconscientemente pelo protagonista na sua jornada em que os fins justificam os meios e levam a pensar sobre o quão fina é a linha que separa suas boas intenções da tirania.

Isso torna Superman um vilão? Não. O texto sabe mostrar que nada é preto e branco, facilmente solucionável nem alguém pode ter a resposta para tudo. A história do nosso mundo é invertida de maneira crível, onde a sequência dos acontecimentos históricos ressoa com a realidade, mas com resultados diferentes. Vê-se isso principalmente no fato de a corrida nuclear ter basicamente sido substituída pela corrida por seres superpoderosos. Essas inversões são também refletidas nas diferentes abordagens de diversos personagens da DC que aparecem na produção.

Entretanto, é nessas figura que cabe uma crítica. Talvez por aparecerem coadjuvantes demais, alguns ficam subdesenvolvidos ou tem seu papel na trajetória do homem de aço reduzido significativamente. O maior exemplo disso é Lois, que ao invés da jornalista sagaz e determinada, é apenas uma mulher pensando no seu casamento sem vida e sonhando com um alienígena bonitão que admira.

O traço da animação mantém a qualidade que a DC vem apresentando há anos, mas uma obra como essa merecia algum tipo de ousadia por parte do estúdio e um esmero maior. Se o filme mantém o ótimo uso de cores da HQ, com uniformes trabalhados no cinza e com tons chamativos de vermelho, as artes de Dave Johnson e Kilian Plunkett foram ignoradas. Lá, os artistas tomaram a ótima decisão de terem seus traços inspirados na Era de Ouro, mesclando aquele estilo com a estética soviética, resultando em designs incríveis e inesquecíveis. Aqui, é mais do mesmo. Não é ruim, mas a empresa já poderia ser mais audaciosa na elaboração de trabalhos de maior calibre.

Com uma abordagem diferente e fascinante, a animação chama o espectador para discutir se há mesmo um regime político ideal, ao mesmo tempo em que aborda questões filosóficas inerentes à imaginação de melhorias para a humanidade. É uma pena que o final tenha sido apressado e ignorado em comparação com o desfecho do material original. É repentino e simplista demais comparado com as outras discussões levantadas pelo longa. De qualquer forma, “Superman: Entre a Foice e o Martelo” é uma boa adaptação da HQ, oferecendo um desafio à figura infalível do Homem de Aço.

Bruno Passos
@passosnerds

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