Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 04 de maio de 2020

Star Wars: The Clone Wars (Disney Plus, 7ª Temporada): o peso da tragédia anunciada

Tenso, sombrio e, ainda assim, cheio de esperança, o olhar de Dave Filoni traz o "Star Wars" que todos querem ver.

Sob diversos aspectos, “The Clone Wars” foi a obra que pavimentou o caminho para que “Star Wars” chegasse ao patamar que é hoje: uma lembrança nostálgica para os mais velhos, um universo de aventuras para os mais novos. Última criação de George Lucas no comando da Lucasfilm, a série de animação acabou tendo um final abrupto com sua sexta temporada em 2014, cancelada antes que pudéssemos ver onde ela poderia de fato nos levar. Agora, graças ao Disney Plus, o padawan de Lucas, Dave Filoni, pôde dar um desfecho tão satisfatório que foi até capaz de criar consenso entre a fragmentada base de fãs da franquia.

A primeira temporada de “The Clone Wars” foi ao ar em 2008, logo após o longa de animação homônimo concluir sua estadia nos cinemas (ironicamente, à época achava-se que esta seria a última oportunidade de ver “Star Wars” na tela grande). As seis temporadas seguintes visavam preencher a lacuna entre “O Ataque dos Clones” (2002) e “A Vingança dos Sith” (2005), mostrar os acontecimentos das Guerras Clônicas e dar estofo a personagens como Anakin Skywalker e Obi-Wan Kenobi, além de apresentar caras novas como a padawan de Anakin, Ahsoka Tano. A série toda era estruturada em arcos com cerca de quatro episódios de duração, o que dava dinamismo à trama central da série e proporcionava destaque a um elenco rotativo de coadjuvantes, como, por exemplo, o clone Rex, capitão do exército da República.

Para a sétima temporada, Dave Filoni, que agora herdou de George Lucas o comando da série de animação, optou por manter a mesma estrutura das temporadas anteriores. Os três arcos da temporada – “The Bad Batch” (“A Leva Ruim“, em tradução livre), “Ahsoka’s Walkabout” (“Andanças de Ahsoka“) e “Siege of Mandalore” (“Cerco a Mandalore“) – tratam cada um de um aspecto específico de “The Clone Wars”, e dedicam-se a trabalhá-los de forma a amarrar o maior número possível de pontas soltas deixadas ao longo dos seis anos anteriores da série. Nem sempre conseguem, mas até quando a série desliza o entretenimento é garantido.

O primeiro arco, “The Bad Batch“, prioriza o encerramento da narrativa dos clones, desenvolvida intensamente ao longo da série. Vistos pela maioria da população como soldados descartáveis, “The Clone Wars” humanizou os clones, dando a cada um nome, história e personalidade própria, além de laços fortes com seus respectivos generais Jedi. Aqui, a 501ª Legião de Anakin Skywalker tenta derrotar o exército Separatista no planeta Anaxes, mas vem falhando repetidamente por conta de um novo algoritmo imbatível que regula a atuação dos droides inimigos. Para superá-los, o esquadrão de clones geneticamente modificados conhecido como Bad Batch é chamado, e logo todos descobrem que o inimigo com o qual lutam é muito mais parecido com eles do que imaginam.

Já “Ahsoka’s Walkabout” tem por função proporcionar ao público o reencontro com a real protagonista de “The Clone Wars”, a ex-padawan Ahsoka Tano. Após deixar a Ordem Jedi, esta é a primeira vez que a reencontramos nesta série (ela já havia aparecido em “Star Wars Rebels“, ambientada décadas depois), e ela agora busca seu lugar na galáxia. Sem uma guerra para lutar e uma doutrina para seguir, Ahsoka se apega às irmãs Trace e Rafa Martez, moradoras do submundo de Coruscant que tentam sobreviver um dia de cada vez. Ao longo do arco, Ahsoka compreende que a percepção do povo sobre os Jedi mudou, e que a Ordem perdeu seu rumo em meio à guerra. Mas apesar do reencontro, é quase inevitável sentir que essa sequência de episódios aja quase como fillers. Justamente por tentar unir dois momentos da série tão envoltos em ação, “Ahsoka’s Walkabout” se mostra demasiadamente longo, faltando carisma às irmãs Martez enquanto coadjuvantes e objetividade à narrativa.

Os dois primeiros arcos, no entanto, se empalidecem frente a “Siege of Mandalore“, quando todos os parâmetros da série são redefinidos. Uma história há muito aguardada pelos fãs, sua narrativa corre paralelamente aos acontecimentos de “A Vingança dos Sith“, mostrando a libertação do povo mandaloriano do controle de Maul (que já não é mais Darth), o fim das Guerras Clônicas e extermínio dos Jedi, e a posterior queda da República e ascensão do Império Galático. Mas se no filme isso é visto pelos olhos de Anakin Skywalker e Obi-Wan Kenobi, aqui eles dão lugar a Ahsoka Tano, devidamente reintegrada ao Exército da República liderando parte da 501ª Legião ao lado do capitão Rex.

Dave Filoni vai gradativamente construindo a história do cerco a Mandalore ao redor da história de “A Vingança dos Sith“, sem nenhuma vergonha de assumir seu posto de narrativa secundária à do cinema. Para isso, os acontecimentos são quase cronometrados ao redor de momentos chave retratados tanto na série, quanto no filme. Da sincronia da trilha sonora à das próprias falas dos personagens, as duas obras assumem um caráter praticamente complementar uma à outra, com o peso dos acontecimentos aumentando a cada segundo. Não obstante, o conjunto de episódios tem estrutura e apresentação de um filme, com direito ao logo original da Lucasfilm de 1975 e ao tema de “Star Wars” presentes desde o primeiro episódio, “Old Friends Not Forgotten“.

O salto de qualidade técnica dado pela série nestes seis anos de hiato é evidente de imediato. Dos gráficos da animação ao próprio movimento dos personagens, tudo flui de forma muito mais orgânica em relação às temporadas anteriores. Ainda assim, a equipe de Filoni demonstra cuidado e reverência ao visual original da série ao manter os traços caricatos dos personagens e das sequências de ação, sem abrir mão dos movimentos rápidos em cenas de combate. Essa fórmula tem seu auge em dois momentos: o plano sequência no episódio A Distant Echo, em que o capitão Rex lidera a Bad Batch durante a infiltração da base Separatista, e o duelo entre Ahsoka Tano e Maul em The Phantom Apprentice, criado com a ajuda de captura de movimentos fornecidos por atores executando a coreografia do combate (um deles o próprio Ray Park, intérprete de Maul nos filmes).

Se no cinema “Star Wars” deixou a desejar em seus últimos lançamentos, no streaming a franquia segue justificando seu status singular na cultura pop. Após o sucesso de “The Mandalorian”, “The Clone Wars” novamente mostra a força de Dave Filoni como cineasta e animador, e consolida o meio como formato ideal para as histórias ambientadas nessa galáxia muito, muito distante. Com uma história cujo final já se conhece (basta assistir aos filmes), prender a atenção do espectador é fundamental e isso Filoni e sua equipe de direção o fazem com maestria lançando mão de todos os recursos. “The Clone Wars” certamente deixará saudade, mas os fãs podem se reconfortar no horizonte aberto que a série proporcionou a “Star Wars” nos últimos anos e continuará a proporcionar nos próximos.

Julio Bardini
@juliob09

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