Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 27 de abril de 2020

Natal Sangrento (2019): boas intenções, péssimo desenvolvimento

Com uma história sem sutilezas ou desenvolvimento satisfatório, Sophia Takal entrega um terror fraco que não assusta nem obtém sucesso na sua crítica social.

Segundo remake do clássico “Noite do Terror” de 1974, “Natal Sangrento” foca num grupo de alunas que moram numa irmandade da fictícia faculdade de Hawthorne. Uma noite antes da véspera de natal, as alunas começam a serem assassinadas uma por uma enquanto uma ameaça desconhecida se infiltra na sua casa.

Afirmando ser uma obra que tem como temática central a causa feminista por todos envolvidos na produção, o filme tenta, mas falha na maioria dos momentos em que aborda o tema. Apesar de construir bem o arco da protagonista Riley (Imogen Poots), jovem que sofreu um assédio sexual e é desacreditada pela maioria das pessoas mesmo anos depois de ter denunciado, o ângulo que Sophia Takal, diretora e co-roteirista do projeto com April Wolfe, aborda o feminismo na narrativa é raso e estereotipado.

A temática é tratada de modo que só é relevante para quem já está dentro do movimento, e mesmo assim ainda consegue causar grandes doses de vergonha alheia. Com uma carga pesada de falas toscas até mesmo para quem é o público alvo, filmes que realmente querem educar a audiência em assuntos sérios são melhores quando fazem isso de forma tão sutil que alguém que pode se considerar contra tais ideais se encontra torcendo a favor deles sem nem mesmo perceber. “Adoráveis Mulheres”, “Mad Max: Estrada da Fúria” e até a comédia romântica “Casal Improvável” são ótimos exemplos recentes. Já aqui, a abordagem acaba afastando aqueles que poderiam aprender algo de bom com essa história, se contada de forma mais sutil. O filme de 1974, por exemplo, trata de autonomia feminina em poucas cenas, porém de forma mais eficiente do que temas similares apresentados aqui.

A produção ignora as sutilezas que existem no machismo em favor de algo mais escancarado, onde homens agem de formas absurdas sem ter medo de mostrar seu ódio contra mulheres. Na onda conservadora que o mundo está vivendo, não deixa de ser algo que realmente acontece. Mas “Natal Sangrento” é o tipo de filme que não vai fazer a pessoa que é machista e não age espalhafatosamente olhar e refletir suas ações, e sim pensar “eu não tenho essas atitudes absurdas, então não sou machista”. Não existem aqui aqueles momentos sexistas que acontecem nas entrelinhas de um comentário, piada ou olhar. É decepcionante ver tal história tratando o tema de forma tão equivocada quando duas mulheres estavam no controle de sua criação.

O texto poderia se redimir um pouco se pelo menos o terror fosse satisfatório, mas não: segundo Takal, o motivo para o filme não conter cenas de violência explícita foi para atrair mais garotas jovens para o cinema e lhes apresentar uma história de mulheres fortes. Porém essa estratégia não funciona a favor do filme, já que no seu decorrer fica explícito como a obra foi filmada com diversas cenas violentas, apenas para entregarem um produto final mal editado com esses momentos cortados de forma quase amadora. Por conta disso, nenhuma morte é grotesca ou assustadora, e a montagem se apresenta pobre e confusa. A narrativa também contém diversos jump scares que beiram o ridículo e parecem que foram inseridos apenas para compensar o fato de não conter violência explícita, mas que tiram ainda mais o mérito da história. Qualquer pessoa que já assistiu pelo menos alguns filmes de terror na vida consegue saber o que está por vir momentos antes de acontecer: a trilha sonora desaparece para segundos depois dar lugar apenas a um barulho alto, sem nada de assustador por trás.

De pontos positivos, temos a atuação de Poots como Riley, talvez por êxito apenas da atriz e não do texto com o qual ela teve que trabalhar. Ela é a única que se destaca na produção, com os demais atores sendo exagerados ou desinteressantes. O filme apresenta alguns momentos que retratam formas negativas em que as mulheres são tratadas na sociedade de maneira realista, porém são tão escassos e rápidos que é fácil esquecer que eles sequer existem. Pelo menos servem para dizer que não erraram 100% e que a história teria mais força se fosse mais para esse lado. A forma que tentaram integrar outras irmandades na história também mostra potencial, mas não é bem explorada o suficiente para receber elogios.

Além disso, o filme não compartilha nenhuma semelhança com o original de 1974. No Brasil, as versões têm nomes diferentes, mas dividem o título de “Black Christmas” em inglês. Tirando o fato de que se passam na época de Natal, personagens, vilões e motivações são completamente divergentes em ambos os filmes. Até mesmo mortes que tentam executar de forma similar para evocar o original não conseguem fazer isso efetivamente por não poderem mostrar completamente o aspecto violento. Para a audiência brasileira desavisada, a correlação pode passar completamente despercebida.

A luta final das mocinhas contra os antagonistas no terceiro ato é tão sem graça que não dá nem para se empolgar com o pouco de ação que é apresentado. Isso por conta do diálogo completamente absurdo e explicações risíveis que são dadas sobre os vilões caricatos. “Natal Sangrento” é o tipo de filme que dá para assistir e não achar horrível de primeira, mas quanto mais se pensa sobre ele, mais defeitos se encontra. No final das contas, ele é, infelizmente, apenas mais um terror que tinha potencial, porém acaba não entregando nem metade do que deveria.

Lívia Almeida
@livvvalmeida

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