Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 26 de abril de 2020

#RapaduraRecomenda – Your Name (2016): clichê bem subvertido

Longa de Makoto Shinkai vai além da belíssima animação e trama aparentemente clichê para entregar uma obra verdadeiramente especial sobre romance, sentimentos e conexões.

Mitsuha (Mone Kamishiraishi) é uma menina que mora numa cidade pequena no interior do Japão e tem uma vida entediante; Taki (Ryûnosuke Kamiki) é um garoto morador de Tóquio e dono da vida corrida comum de um adolescente japonês. Como num grande clichê do cinema, eles acabam trocando de corpos enquanto dormem, conseguindo conversar por espécies de diários, onde acabam se conhecendo e desenvolvendo sentimentos um pelo outro. Parece, de fato, uma história comum e batida, com o desenrolar previsível, mas “Your Name” subverte tais expectativas com maestria.

Maior bilheteria mundial de uma animação japonesa, o filme é escrito e dirigido por Makoto Shinkai (“O Jardim das Palavras”) e possui uma animação primorosamente bela e rica. O cuidado quase obsessivo em retratar a Tóquio real em quadros animados é arrebatador e repleto de atenção a detalhes que retratam a metrópole com vida. Já a pequena cidade de Itomori é fictícia, mas o contraste entre a massa urbana frenética e a paz quase onírica do campo não só é muito bem ilustrado, como traz carga narrativa para as personalidades dos protagonistas. As minúcias incluídas nas representações desses lugares simbolizam com louvor as duas diferentes vidas dos personagens e refletem seus anseios. A maneira com que o diretor mistura cenários reais com itens fantasiosos e mágicos é especialmente cativante – como um cometa que vai passar pela Terra, resultando em cenas de tamanha beleza visual que é impossível não ficar impressionado.

Tais elementos de fantasia, aliás, pegam o espectador de surpresa ao mostrar que o filme não tratará do clichê inicialmente proposto. E os elementos apresentados previamente são definitivamente divertidos, mas a aparente ausência de peso dramático significativo se prova falsa conforme o restante do longa agrega valor à relação crescente entre os protagonistas.

Apesar de alguns exageros no texto, com certos diálogos desnecessariamente expositivos, o roteiro consegue desenvolver a relação entre a dupla principal, mas não foca totalmente nela. Há uma boa discussão aqui sobre tradições, sejam elas familiares ou religiosas, e seus papéis nas relações entre seres humanos. Somos apresentados ao conceito de musubi, algo relacionado à conexão entre coisas e/ou pessoas, ilustrada por meio de uma fita vermelha que funciona como metáfora de que duas pessoas estarão sempre ligadas e nunca realmente sozinhas.

A maneira alegórica com que o longa usa esses elementos é muito bela, e Shinkai brinca com a narrativa, convencendo o espectador de que ela é simples e linear para depois desafiá-lo com cortes que são intencionalmente confusos. Um exemplo é a confusão proposital, dificultando entender se quem está na tela é quem está realmente dentro do corpo em cena, o que ilustra a incerteza que os próprios personagens sentem no início da trama. O diretor consegue mesclar romance, fantasia e até elementos de ficção científica com tamanho êxito e equilíbrio que impressiona e conquista.

Com um final que fecha magistralmente os arcos de seus personagens, se valendo de todas as metáforas propostas, “Your Name” mexe com sentimentos e se prova uma obra única, especial e cativante, pronta para apertar corações e arrancar sinceras lágrimas do público.

Bruno Passos
@passosnerds

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