Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 10 de abril de 2020

Tales From the Loop (Prime Video, 1ª Temporada): sci-fi além do visual

Oscilando entre episódios que vão do excelente ao tedioso, a série é uma novidade bem-vinda à ficção científica, mas ainda precisa trabalhar melhor a individualidade das histórias para poder oferecer uma trama mais interessante.

Dizer que a ficção científica não fala sobre o futuro, mas sobre o presente já se tornou um chavão para estudiosos e autores do gênero. O mesmo acontece ao falar que as obras não são sobre tecnologia, mas sobre a humanidade. Desde o que se convencionou chamar de ficção científica moderna, a partir da publicação de “Frankenstein” — e talvez até antes do clássico de Mary Shelley —, o sci-fi estava mais preocupado em discutir a condição humana da sua atualidade, a partir de metáforas sobre outros tempos e contextos. “Tales From the Loop”, nova série da Amazon Prime Video, tem esse conceito como guia, porém, nem sempre a execução funciona.

Inspirada em ilustrações do artista sueco Simon Stålenhag, a série apresenta diversas histórias de pessoas que vivem em uma pequena cidade no interior dos Estados Unidos. Sob elas, existe uma máquina chamada The Loop, que tem como objetivo desvendar e explorar os mistérios do universo. Entretanto, graças a esse aparelho, estranhos fenômenos acontecem no local.

Embora a série não assuma o formato de uma antologia convencional, os episódios na sua essência não possuem muita dependência entre si. Cada um deles narra uma trama focada em alguma personagem específica ou em um núcleo de personagens, que nas outras narrativas retornarão como secundárias ou coadjuvantes. A importância disso é que, já conhecendo aquelas figuras, quando reaparecem mais à frente (mesmo que apenas como um elemento para preencher a tela), existe um sentimento de que aquela pessoa não é apenas um manequim. A série ganha vida aos poucos, conforme a cidade e seus habitantes vão sendo revelados.

Assim, como criação de universo, a produção é riquíssima. Ao final do nono capítulo, ela se eleva por ter sido trabalhada com o objetivo de desenvolver o protagonismo em toda a comunidade local. Existem alguns núcleos mais relevantes que outros, mas, de modo geral, todos possuem seus momentos e uma personagem que surge inicialmente mais introspectiva tem sua personalidade mais bem aprofunda posteriormente, como acontece com o segurança Gaddis (Ato Essandoh), por exemplo.

Contudo, se a proposta é acertada, o mesmo não pode ser dito da execução. O principal erro é não saber tratar os episódios de modo individual, apesar de ser esta a ideia central. Mesmo contando com diferentes diretores, falta identidade às histórias apresentadas, um problema que parece estar ligado à necessidade de criar um grande arco. Dessa forma, toda a temporada possui o mesmo olhar contemplativo e ritmo lento. Embora isso funcione muito bem em alguns, prejudica o desenvolvimento de outras tramas. A sensação é que foi dada mais atenção ao todo do que às partes.

“Parallel”, por exemplo, poderia funcionar com metade da duração, por ser um capítulo com um núcleo menor e com um enredo mais contido. A necessidade de colocá-lo no mesmo molde dos demais obrigou Charlie McDowell (“A Descoberta”) a prolongar excessivamente alguns planos, bem como fez a história principal sobre solidão de Gaddis se perder. A mesma falha pode ser visto em “Stasis“que, para poder atingir a minutagem mínima, precisou de uma introdução longa e cansativa, além de vários conflitos menores, deixando a trama central bastante diluída.

Como novidade dentro de um nicho bem definido, a obra possui conceitos interessantes. Não se perde tempo explicando aspectos tecnológicos, optando por assumir que são invenções do cotidiano daquelas pessoas. Ninguém fica maravilhado com máquinas voadoras ou robôs no meio da cidade. Nesse sentido, o criador Nathaniel Halpern trabalha com um formato semelhante ao de “Além da Imaginação”. Há um limite tênue entre ciência e fantasia, assim como eventos inexplicáveis — como viagem no tempo e dimensões paralelas — que surgem graças a algum efeito do Loop. Isso faz com que as leis da física nem sempre sejam aplicadas à cidade e, conforme os episódios avançam, fica mais fácil aceitar alguns conceitos sem as devidas explicações.

“Tales From the Loop” pode incomodar pelo problema de ritmo, mas os que se aventurarem podem sair com um sentimento positivo. Há espaço para novas temporadas, algo favorecido, principalmente pelo estrutura mais antológica. A série também consegue não se prender demais aos elementos futurísticos, deixando espaço para o que realmente importa: as personagens. É um sci-fi honesto, com conceitos que merecem ser mais explorados no futuro e que, por esse motivo, precisa entregar mais para poder se consolidar em um gênero tão rico. 

Robinson Samulak Alves
@rsamulakalves

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