Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 05 de abril de 2020

A Nova Onda do Imperador (2000): bacana pra chuchu

Animação nasceu de uma produção conturbada e fracassou nas bilheterias, mas se tornou um clássico nas vendas de DVDs e conquistou uma geração de fãs com seu imenso potencial de entretenimento e comédia de alta qualidade.

O lançamento de “Tarzan” em 1999 marcou o fim do período conhecido como a renascença da Disney, quando o estúdio lançou vários musicais de sucesso de crítica e público. Entretanto, havia mais um projeto de estilo similar que ainda estava em produção, chamado “Kingdom of the Sun” (Reino do Sol, em tradução livre), que seria dirigido por Mark Dindal e Roger Allers (este último, um dos diretores da animação “O Rei Leão”) e teria canções compostas por Sting. Dindal e Allers não se deram bem e os testes de público não deram o resultado esperado, aumentando a tensão sobre uma produção que não estava indo bem. O filme acabou sendo descartado e a ideia de uma história sobre um imperador transformado em uma lhama por uma bruxa que buscava comandar seu reino foi reescrita, e o que era para ser um épico musical se transformou na deliciosa comédia “A Nova Onda do Imperador”.

A sinopse não é muito diferente da citada anteriormente, o que muda é que agora o imperador Kuzco (David Spade) precisa da ajuda do gentil camponês Pacha (John Goodman) para conseguir reverter a situação. Sua índole egoísta e desumana não ajuda nada, e o contraste com a bondade genuína do súdito cria boa parte das cenas humorísticas do longa. É impressionante como todas funcionam. O filme abre com Kuzco narrando os eventos que o levaram a ser transformado numa lhama e o texto logo já mostra que não é convencional, com várias quebras da quarta parede e até referências a clássicos do cinema. A brincadeira com o absurdo encontra perfeito equilíbrio e nunca fica exagerada, tornando uma trama com grande potencial para o clichê num longa cheio de personalidade e carisma.

Um elemento do filme que não costuma receber a atenção merecida é sua trilha sonora. De responsabilidade de John Debney, o uso de música para pontuar o humor é soberbo e chega a lembrar grandes filmes mudos do início do século XX. Charles Chaplin ficaria orgulhoso. A química entre os atores funciona num nível pouco visto numa comédia onde uma dupla está constantemente em conflito, mesmo precisando trabalhar juntos. Spade se provou uma ótima escolha para trazer a jovem personalidade expansiva de alguém que odeia as pessoas e adora os prazeres da vida. Goodman acha o tom certo para que o “bom-mocismo” de seu personagem seja crível e natural.

A vilã da vez ficou por conta de Eartha Kitt, interpretando a bruxa de idade extremamente avançada Yzma. Kitt foi a Mulher-Gato do seriado “Batman” de 1966, fato interessante quando se pensa no seu destino no final da história. Mais um acerto na escalação, a atriz é hilária em sua mesquinhez e nas suas reações de indignação perante as falhas do seu assistente Kronk (Patrick Warburton). Este, aliás, é um parágrafo à parte. Sua inocência e estupidez estão em níveis tão exagerados que impressiona ele não ter saído apenas irritante. Pelo contrário, é tido por muitos fãs do longa como o melhor personagem em tela. A escolha para sua voz não poderia ter sido melhor. Warburton sabe como poucos usar o tom certo para transparecer seu sarcasmo pessoal através da ingenuidade de Kronk. É um trabalho magnífico e, mesmo assistindo ao filme pela enésima vez, garante boas gargalhadas.

Outro parágrafo à parte precisa ser dedicado ao incrível trabalho de dublagem na versão brasileira deste longa. Selton Mello (Kuzco), Humberto Martins (Pacha), Marieta Severo (Yzma) e Guilherme Briggs (Kronk) são outros bons exemplos do que foi uma escalação certeira para cada papel e suas interpretações para localizar o filme ao público brasileiro o tornam uma dublagem muito querida pelo público. Méritos também de um time de tradução que soube respeitar o material original e convidar o espectador tupiniquim a se identificar com o mesmo.

Apesar do musical ter sido descartado, Sting ainda escreveu a música que toca durante os créditos finais (e conseguiu uma indicação ao Oscar pela mesma). Entretanto, a música-tema do Kuzco é empolgante e é a que fica na cabeça do espectador ao término da sessão. Esta ficou a cargo do lendário Tom Jones, ideal para combinar com o nível de energia que a sequência pede.

“A Nova Onda do Imperador” pode ter nascido de uma conturbada produção e não ter rendido o esperado nas bilheterias, mas encontrou seu sucesso nas vendas de DVDs e, com os anos, foi se tornando amado por muitos. O filme pode ter indicado uma quebra na época em que a Disney deixou de fazer musicais por um tempo, mas também é um exemplo de que o estúdio do Mickey consegue fazer obras diferentes do tom habitual e ainda assim possuir uma capacidade quase infinita de entretenimento.

Bruno Passos
@passosnerds

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