Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 13 de março de 2020

Terremoto (2018): desastre do tipo bom

Produção norueguesa recupera personagens e universo de "A Onda" para realizar um novo filme catástrofe com os mesmos pontos positivos do anterior.

Em 2015, “A Onda” foi lançado com a nota de ser o primeiro filme catástrofe da Noruega. E a recepção do público nórdico não poderia ter sido melhor: a produção sobre uma tragédia iminente num fiorde foi líder de bilheteria no país e ainda levou o prêmio nacional de melhor obra naquele ano. Buscando repetir o sucesso, os roteiristas John Kåre Raake e Harald Rosenløw-Eeg criaram uma continuação para a história da família sobrevivente ao primeiro desastre. “Terremoto” é o perigo que ameaça dessa vez a capital norueguesa.

O gênero drama catástrofe, a exemplo de grandes títulos norte-americanos como “Inferno na Torre” ou “Titanic“, tem como objeto imprescindível um desastre para abordar. Diretores como Roland Emmerich (“2012“, “O Dia Depois de Amanhã“e “Independence Day“) construíram carreiras em torno desse tipo de produção geralmente megalomaníaca e recheada de efeitos especiais. No entanto, o segredo que diferencia os bons dos ruins, os filmes envolventes dos soníferos, é a profundidade dos conflitos por trás da destruição. Não por menos, esse é o maior cuidado que os roteiristas dos dois projetos noruegueses tiveram.

Trata-se do destino da família do geólogo Kristian Eikjord (Kristoffer Joner), que sobreviveu ao tsunami retratado no filme anterior, graças aos esforços heroicos do protagonista. Infelizmente, os anos que se seguiram não foram bons para o homem. Divorciado e vivendo longe dos filhos, ele lida com a depressão e o afastamento emocional pela culpa de não ter conseguido salvar toda a cidade anteriormente. Mal sabe ele que o destino lhe prepara um novo desafio: dados indicam que um super terremoto está para acontecer em Oslo e novamente se vê no papel de louco portador das más notícias.

Apesar de “A Onda” e “Terremoto” terem sido realizados por dois diferentes diretores, nenhum rejeitou o potencial dramático dos conflitos de Kristian para sustentar o show pirotécnico que toda audiência de filmes desse estilo espera. É pela empatia construída junto ao personagem que sentimos tensão quando o perigo se aproxima, especialmente em relação a seus filhos. O público pode não ligar para todas as vidas dos habitantes de Oslo que estão em risco, mas só é possível sofrer a apreensão de um bom thriller quando realmente nos importamos com os personagens principais. Felizmente, o drama aqui compensa o investimento emocional.

Seguindo a arquitetura clássica do gênero, o clímax demora para decolar. É uma evolução lenta – o famigerado “slow burn” – que para uns é ótimo e para outros um tédio. Os poucos momentos de tensão que levam ao gran finale seguem a cartilha de Hollywood sem nenhum aspecto diferenciador a não ser a própria capital norueguesa como locação. A ameaça às estruturas da Ópera de Oslo, por exemplo, é o equivalente a mexer com o Cristo Redentor no Rio de Janeiro ou com a Estátua da Liberdade em Nova York. Resta a opção de embarcar no drama humano e na inquietação crescente enquanto o aguardado abalo sísmico não acontece, porém a espera pela grande sequência final também traz consigo a recompensa de bons efeitos especiais.

Como ainda são raras as obras não hollywoodianas que exploram esse tipo de narrativa, a qualidade de “Terremoto” é uma surpresa positiva, além do mais por ser uma sequência direta de outra produção tão boa quanto. Apesar de todo gênero bem consolidado ter suas “regras”, os clichês ainda estão presentes, mesmo que de uma maneira mais inteligente e sensível que o normal. Para quem curte cinema escandinavo e especialmente filmes sobre desastres, o trabalho mais recente e o antecessor da dupla de roteiristas valem o ingresso.

William Sousa
@williamsousa

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