Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 08 de março de 2020

Altered Carbon (Netflix, 2ª Temporada): nova história, nova capa

Série busca mudanças se baseando nas reclamações do público e da crítica sobre o primeiro ano, apresentando melhorias significativas na nova temporada.

Trazida pela Netflix em 2018, “Altered Carbon” chegou para o público como uma obra muito promissora. Adaptada dos romances de Richard Morgan, deixou o público bastante dividido com a sua estreia.  Com um estilo cyberpunk, fomos transportados para um universo onde a mente humana poderia ser transferida para pequenos dispositivos metálicos, chamados de cartuchos, o que permitiu o prolongamento da vida e a substituição do corpo físico, chamado de capa. Na primeira temporada fomos apresentados a Takeshi Kovacs, o último dos Emissários (grupo de elite rebelde), trezentos anos depois de serem derrotados pelo Protetorado (uma espécie de organização política que governa as colônias humanas). Agora em 2020, chega na plataforma de streaming o segundo ano da produção.

A série com uma nova “capa”

A série evoluiu bastante desde seu lançamento. Após as duras críticas que recebeu na sua temporada anterior, como exibir cenas de nudez desnecessárias e possuir uma trama simples e sem surpresas, buscou resolver alguns dos problemas apontados tanto pela crítica quanto pelo público. Com o número de episódios reduzido, vemos uma narrativa mais focada, mas sem perder o grande plano. Apesar de a censura continuar 18 anos, os momentos de nudez dão lugar a sequências de ação desenfreada, com bons toques de pancadaria. A trama possui um crescimento satisfatório, com algumas reviravoltas e revelações que prendem bem a atenção do espectador.

A nova história começa trinta anos após os acontecimentos vistos anteriormente. Mais uma vez seguimos Takeshi Kovacs, juntamente com seu fiel escudeiro na forma da inteligência artificial Poe (Chris Conner), em sua incessante busca por Quellcrist Falconer (Renée Elise Goldsberry), que descobrira ainda estar viva. Dessa vez, é contratado pelo milionário Horace Axley (Michael Shanks) como guarda-costas, a fim de protegê-lo de uma ameaça até então desconhecida. Como pagamento, Axley daria ao nosso protagonista informações acerca do paradeiro de Falconer. No entanto, como a capa que conhecíamos (antes interpretado por Joel Kinnaman) foi devolvida para o seu verdadeiro dono, ele recebe para o serviço uma nova com aprimoramentos físicos e habilidades táticas e militares. É então que Anthony Mackie recebe o manto de personagem principal nesse mundo.

Ao acordar após a transferência para a sua nova capa, vê-se em meio a um cenário de derramamento de sangue, onde encontra o seu contratante e seus homens assassinados. Agora ele precisará não apenas desvendar o autor do crime, como também descobrir a informação que Axley lhe daria. Além disso, Kovacs conta com alguns fantasmas do seu passado (alguns não tão intangíveis assim), que o atormentam ou até mesmo dificultam ainda mais a sua situação.

Boa parcela da ambientação já fora feita na primeira temporada. Dessa maneira, a segunda parte se preocupa em expandir um pouco mais o universo, trazendo detalhes extras sobre a tecnologia existente e contando a trajetória de uma civilização alienígena antiga. O que antes era apenas um contexto para contar uma história de investigação, parece agora abraçar mais a sua essência cyberpunk. Com implantes cibernéticos, inteligências artificiais variadas e o uso de realidade virtual para diversos fins (sejam eles recreativos, empresariais ou até mesmo militares), o rico universo é ampliado de forma a permitir boas sequências ou histórias paralelas.

Mas vale a pena assistir?

A série aposta em contar uma nova história sem ignorar os acontecimentos anteriores. Anthony Mackie cria uma versão mais flexível e sociável, ao contrário da interpretação militarizada de Joel Kinnaman, mas sem perder a essência principal daquela figura. As cenas de ação são muito bem executadas e as coreografias de luta são empolgantes – possivelmente devido a experiência do ator nos filmes da Marvel. O intervalo de tempo que se seguiu entre as duas temporadas é uma boa justificativa para as mudanças da personalidade do personagem, em especial pelo convívio com Poe.

A propósito, a inteligência artificial é um dos pontos mais altos. Chris Conner brilha incrivelmente com ótimas tiradas e momentos fantásticos. Como um grande coringa, Poe serve para dar andamento à narrativa e servir de alívio cômico ou ponto dramático. É responsável por muitas cenas reflexivas, sendo que alguns dos seus diálogos com a Dig 301 (Dina Shihabi) são geniais. Enquanto tem que lidar com um problema no seu sistema, que afeta a sua eficiência e sua memória, ele tenta ajudar ao máximo o protagonista, sempre fiel ao seu amigo. Por sua vez, Dina Shihabi aparece como uma I.A. de arqueologia, tendo um grande crescimento guiado por Poe. Os dois funcionam incrivelmente bem juntos.

Renée Elise Goldsberry possui uma participação mais ativa do que na temporada anterior, sendo possível observar mais sobre a lendária líder dos rebeldes Quellcrist Falconer. Presenciamos o modo de pensar, de agir, suas motivações e ideais, ao invés de contarmos apenas com flashbacks ou lendas contadas pelas pessoas e registros.  Já Simone Missick dá vida a Trepp, uma caçadora de recompensas com seus próprios interesses e objetivos. Dotada de dreadlocks cibernéticos, ela funciona mais como uma anti-heroína.

A série ainda conta com Lela Loren no papel de Danica Harlan, a governadora do Mundo de Harlan (planeta em que se passa a nova história e também local de nascimento de Kovacs), uma ambiciosa mulher que se encontra entre os Quellistas (grupo de rebeldes liderados por Joshua Kemp, interpretado por Matt Ellis). Há também a presença do Protetorado na figura do Coronel Ivan Carrera (Torben Liebrecht) que, por sua vez, mostra-se um grande problema para a governadora e para o protagonista. Essa dupla de vilões, embora pareça um pouco caricata, está longe de ser bidimensional, cada um com suas motivações e objetivos.

“Altered Carbon” ainda não conseguiu estar entre os grandes expoentes do gênero de ficção científica, mas melhorou bastante e demonstrou possuir muito potencial para crescer cada vez mais. Veremos aonde esse futuro cyberpunk nos levará.

Aristóteles Fernandes
@rapadura

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