Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 01 de março de 2020

Ghost – Do Outro Lado da Vida (1990): doce melodia sobre amor e luto [CLÁSSICO]

Décadas após sua estreia, o filme continua mostrando sua força como icônica obra romântica, entregando um belo conto sobre amor, traição, luto e um dos melhores trabalhos de Whoopi Goldberg.

Ghost – Do Outro Lado da Vida” é um daqueles filmes que causou tamanha comoção quando foi lançado que, anos após sua estreia, é tido por muitos como superestimado. Há diversos exemplos de obras assim, criticadas negativamente apenas por seu sucesso com comentários que afirmam sua qualidade ao mesmo tempo que a classificam como não merecedora de tantos elogios. Tendo sido a maior bilheteria de 1990 e indicado a cinco Oscars, continua sendo digno do sucesso que obteve mesmo décadas após chegar aos cinemas.

O roteiro de Bruce Joel Rubin conta a história do banqueiro Sam Wheat (Patrick Swayze) e da artista Molly Jensen (Demi Moore), um casal que acaba de se mudar para um impressionante apartamento em Nova York, onde pretendem começar um feliz casamento. Os planos são interrompidos bruscamente quando o homem é assassinado num assalto. A partir daí, seu fantasma (daí o título) não vai para o além-vida para cuidar da namorada durante seu período de luto.

O que parece ser uma narrativa sobre romance e perda ganha camadas intrigantes conforme se revelam circunstâncias estranhas sobre a morte de Sam, que a leva para uma boa trama de investigação e traição. Tudo melhora com a introdução de Oda Mae Brown (Whoopi Goldberg, absolutamente incrível no papel), uma golpista que se passa por médium para arrancar dinheiro e que precisa lidar com o fato de que pode realmente ouvir fantasmas. É um bom alívio cômico que traz equilíbrio ao sisudo argumento e o protege de ser melodramático em excesso.

O roteirista sugeriu que Patrick Swayze fosse escalado para o personagem após assistir a uma entrevista em que o ator se emocionou ao falar sobre o pai – seu interesse veio do fato de uma famosa figura máscula conseguir se conectar com suas emoções sem se sentir emasculado. O próprio ator ficou ávido para conseguir o trabalho porque não queria ser marcado apenas como uma estrela de filmes de ação. A decisão se provou certa, já que ele consegue transitar entre um genuíno amor por Molly e 0 total desespero por não saber como ajudá-la com uma dedicação palpável.

Entretanto, talvez a maior contribuição do ator tenha sido lutar para que o estúdio contratasse Whoopi Goldberg. Mesmo com os ótimos trabalhos da dupla principal, ela rouba todas as cenas em que está. Com um timing cômico impecável, injeta energia e vivacidade numa obra que seria pesada demais sem sua presença. Ela merecidamente venceu o Oscar de melhor atriz coadjuvante, fazendo a ligação entre Sam e o mundo dos vivos com louvor, carinho e um carisma poucas vezes vistos em tela.

Para completar o ótimo time de atores, Demi Moore entregou um de seus papéis mais memoráveis. Transmitindo grande sensibilidade, a atriz encarna uma personagem que acha forças no meio de um período extremamente vulnerável. Sua Molly é adorável e cativante. Vale a pena destacar também Tony Goldwyn, como o amigo duas caras do casal, que consegue trazer uma boa dose de ameaça disfarçada de simpatia. Ele é tão convincente que a fúria e indignação sentida por Sam é facilmente compartilhada pelos espectadores.

A direção de Jerry Zucker surpreende. Seu background é de filmes de comédia besteirol (“Apertem os Cintos… O Piloto Sumiu!”), mas ele trouxe sua experiência para não só realçar as cenas de humor, mas também permitir que os momentos de drama se desenrolem no ritmo certo. O longa nunca é apressado ou arrastado, sabendo como no instante de mostrar a dor da perda ou de ilustrar o amor gigante dos cônjuges ser certeiro. A icônica cena em que Molly está fazendo um vaso de cerâmica e Sam a abraça por trás, iniciando uma sessão de carícias que consegue ser simultaneamente romântica e erótica sem apelar para corpos nus merece estar no rol de momentos memoráveis do cinema. Tocar “Unchained Melody”, da banda The Righteous Brothers ao fundo só reforça a experiência e torna a separação vindoura ainda mais dolorosa.

Há outras várias qualidades também. Os protagonistas são atacados pelo criminoso após saírem de um teatro e assistirem a “Macbeth”, uma famosa peça sobre um fantasma. A escolha do diretor de mostrar Sam correndo atrás do assassino para depois ir ver se Molly estava bem e só então se deparar com a terrível realidade é precisa em levar o choque da situação para o público. A representação de almas sendo levadas para basicamente o paraíso e o inferno é incrível. Se na primeira é o famoso túnel de luz clara e confortante, na segunda a passagem é absolutamente assustadora. Os sons emitidos pelas criaturas feitas de sombras incomoda os nervos profundamente, além de aterrorizar e satisfazer quando um espírito maléfico é levado às trevas.

Mesmo assim, há algumas falhas de roteiro que podem importunar: o fato de que Sam ou Oda Mae não aconselharam Molly a trocar as fechaduras ou a total conveniência narrativa para a realização da amorosa e marcante cena de possessão, que vai contra um importante lição aprendida pelo homem enquanto fantasma. Apesar disso, são elementos facilmente deixados de lado em prol de uma experiência bela e romântica.

“Ghost – Do Outro Lado da Vida” merece ser revisitado de tempos em tempos, já que ultrapassa as décadas para se tornar um bonito filme sobre romance e luto. Com um casal de ótima química, uma trama com diversos elementos muito bem equilibrados e Whoopi Goldberg inspiradíssima, a produção continua merecendo ser chamada de clássica.

Bruno Passos
@passosnerds

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