Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

Frankie (2019): triste porém belo

Drama falado em inglês, francês e português trabalha os dramas familiares a partir de bons diálogos e de uma mise-en-scène expressiva.

Quando pensamos em filmes sobre família imaginamos que, em algum momento, haverá uma confrontação emocional no clímax: discussões, acertos de conta, reconciliações, reaproximações…Geralmente, espera-se mais uma descarga sentimental do que sutilezas das entrelinhas e do subtexto. Qualquer espera semelhante, entretanto, se frustará com “Frankie“, um drama que constrói sua história a partir de detalhes, de informações sutis, da caracterização dos personagens e de um emaranhado de relações dramáticas. Com tal estilo, a narrativa trabalha os encontros e afastamentos contínuos entre familiares através do poder do diálogo e da encenação.

Existem várias pessoas interligadas pelo parentesco ou pela afetividade, porém o centro para onde tudo gira é Frankie (Isabelle Hupert). Ela é uma famosa atriz francesa que descobre estar muito doente e na iminência de morrer dentro de poucos meses. Decidindo passar seus últimos dias com os parentes, ela organiza uma viagem para Sintra, em Portugal, região de belas paisagens e monumentos históricos. No local, as tentativas de integração não saem como esperado e diferentes conflitos transparecem na casualidade dos passeios turísticos e das atividades diárias.

Brevemente, a perspectiva trabalhada pelo roteiro de Ira Sachs e Mauricio Zacharias (ambos de “O Amor é Estranho”) se mostra apoiada em diálogos numa dinâmica de duplas: pares de personagens conversam, muitas vezes enquanto caminham, revelando como são individualmente e na interação entre si. Assim, somos apresentados ao marido atual da protagonista, Jimmy (Brendan Gleeson), o ex-esposo Michel (Pascal Greggory), os filhos Paul (Jérémie Renier) e Sylvia (Vinette Robinson), o marido e a filha de Sylvia (Aryon Bakare e Sennia Nenua), a amiga cabeleira de Frankie, Irene (Marisa Tomei) e o namorado dela, Gary (Greg Kinnear). O trabalho de lidar com tantas figuras não torna o texto expositivo nem artificial, já que ele convence como sendo algo que aquelas pessoas diriam e contribui, por exemplo, para explicar o futuro pessimista da matriarca e o passado problemático daquela família.

Mesmo trazendo muitas informações oralmente, a narrativa utiliza também o poder da encenação nas relações e conflitos. O diretor cria uma mise-en-scène que se torna um padrão sugestivo para os impasses entre personagens que se distanciam ou para os instantes que destacam aspectos de suas trajetórias pessoais: uma conversa entre dois personagens começa, um sai do quadro, a conversa continua com um deles falando e olhando para o outro fora do quadro, até que este retorne para o espaço captado pela câmera.

Tal escolha não só cria efeitos dramáticos acerca dos encontros que se separam continuamente, como também trabalha os dramas familiares da trama: afastamento emocional e espacial, desencontros fortuitos pela vida e autorreflexão, por exemplo. Assim, a direção de Ira Sachs, combinada com a fotografia de Rui Poças (“Ferrugem“), conta visualmente como a família está rachada há bastante tempo por fatos passados que se prolongaram até o presente ou por novas dificuldades surgidas recentemente: o casal Sylvia e Ian na iminência de se divorciarem; a filha deles, Maya, isolada pelos desentendimentos dos pais; as divergências de Paul e sua mãe por ela estar interferindo na vida amorosa dele; as diferenças quanto ao planejamento do futuro de Irene e Gary; e a dinâmica entre Frankie, Michel e Jimmy, tendo a doença da mulher como pano de fundo.

Do mosaico de personagens criado com o vasto elenco, emerge o destaque maior no qual os demais orbitam: Frankie. Dar nome ao filme e ser a mola propulsora da narrativa fazem a famosa atriz conduzir os encontros e afastamentos dos familiares ou dos amigos em função de sua caracterização sofisticada, elegante, magnética, independente e de grande personalidade, que carrega dentro de si a infelicidade por não ver a família devidamente (re)unida. Nas cenas em que a mulher nada na piscina do hotel e conversa com Gary é possível tanto ver as características da personagem por suas ações, quanto perceber a atuação de Isabelle Hupert nos pequenos gestos e silêncios (especialmente ao demonstrar sua insatisfação com o rumo da conversa com Gary apenas pelo semblante desinteressado).

Seguindo a ideia de mostrar relações afetivas incapazes de se concretizar em meio aos obstáculos que sempre emergem, o filme aproveita as locações em Sintra. Muito mais do que só destacar as belezas do lugar, as áreas históricas são utilizadas como comentários para as situações dos personagens (Jimmy bebe água de uma fonte que dizem fazer encontrar um relacionamento perfeito e Frankie se recusa a ir para outra fonte que guardaria a cura para qualquer mal). O próprio desenrolar da história citando países e nacionalidades diferentes não deixa de ser uma forma de comentar o afastamento enfrentado pelos personagens a partir do idioma, sendo o francês, o inglês e o português utilizados em muitos momentos para indicar a falta de integração e comunicação maior entre eles.

Por meio, então, de tais decisões estéticas e narrativas que “Frankie” dispensa as catarses intensas e não perde a força dramática de uma história comovente. Ao invés de um clímax facilmente identificável, o filme trabalha os diálogos e a encenação em conjunto para criar a expectativa na plateia de que aquela família, enfim, se reúna e todos os personagens interajam. É usando essa espera que o diretor reafirma as distâncias entre as pessoas mesmo que ela estejam fisicamente próximas, através dos últimos frames filmados no alto de uma montanha. Um plano que, como dizem Frankie e Jimmy ao tocarem uma canção no piano, pode ser triste, porém belo.

Ygor Pires
@YgorPiresM

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