Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

A Hora da Sua Morte (2019): falha no download

Apesar de parecer propor um "update" para uma trama convencional de terror, não há nada que justifique este filme perante outros semelhantes já lançados.

Há aplicativos de celular para tudo hoje em dia. E se houvesse um para prever a sua morte? Você instalaria? O que faria se descobrisse que faltam poucos dias ou minutos para a iminente partida? Tentaria mudar seu futuro? É assim que a partir de alguns simples “e se?” chega-se à premissa de “A Hora da Sua Morte”. Pois bem, a má notícia é que com esse programa dos infernos tentar fugir do destino é contra as regras de uso. As consequências são mortais.

Após uma breve (e tensa) introdução ao universo onde esse app existe e ao que ele é capaz de provocar, a protagonista Quinn Harris (Elizabeth Lail) é apresentada. Ela trabalha como uma enfermeira recentemente habilitada num hospital norte-americano. A moça logo fica ciente do tal software por um atormentado paciente que está à beira de comprovar que o sobrenatural existe de fato. Antes fosse o suposto aplicativo maligno o único dos problemas da personagem. Além dos estranhos fatos que começam a acontecer depois que ela o instala em seu celular, a enfermeira também precisa lidar com um médico assediador e o luto pelo falecimento da mãe.

Direto ao ponto, a tensão criada pelas cenas sobrenaturais é eficaz no início da narrativa. O arrepio nasce sem sustos baratos, a partir dos momentos que precedem a morte inevitável de alguns personagens pelas mãos de algo desconhecido e não-natural. No entanto, a inspiração do estreante diretor Justin Dec logo acaba e o único fator que poderia justificar o filme se perde num lamaçal de tons sem liga.

A originalidade da proposta acaba na primeira linha. O que a produção decide fazer com o argumento se torna uma mistura de “O Chamado” (pela protagonista que decide investigar o motivo do sobrenatural e como quebrar a maldição) e “Premonição” (pela inevitabilidade das mortes iminentes mesmo tentando escapar delas). Em certo ponto da história surge até uma mitologia demoníaca se apoiando nas piores referências do gênero. Como a proposta basilar do terror é provocar sensações angustiantes, a falta de uma trama satisfatória poderia até ser relevada caso as sequências fossem ao menos interessantes, exatamente como acontece nas duas referências citadas. Porém, pouco é feito para extrair boas cenas a partir da premissa.

Alguns atores coadjuvantes são inseridos para (tentar) fazer comédia, outros para (tentar) fazer drama, e a história desanda como leite talhado. Nem a atriz principal sabe em que tipo de filme ela está, pois eles entregam suas péssimas reações mal dirigidas. Misturar comédia e sátira com terror é um desafio difícil, mas não é impossível. Há poucos anos antes dessa produção, ótimos exemplares como “A Morte Te Dá Parabéns” e o quase incomparável “Corra!” souberam realizar tal mistura muito bem. Já o projeto de Justin Dec parece que nem se esforça para unir os elementos que propõe, contando com uma possível baixa expectativa do público.

Para o espectador que até tolera uma trama rasa esperando pouco de uma sessão pipoca de terror, o filme vai despertar a vontade de rever todas as outras memoráveis obras parecidas, justamente porque elas fizeram a mesma coisa, só que melhor. Em especial, “Arraste-Me Para o Inferno” de Sam Raimi é tão parecido que tem até o sexismo no ambiente de trabalho como elemento em comum do roteiro, porém é muitíssimo superior. Como aquele aplicativo promissor que não funciona como se espera depois da instalação, assim é “A Hora da Sua Morte”. As poucas boas ideias aqui teriam mais impacto no formato de curta-metragem. A gota d’água está numa cena extra, aparentemente “indispensável”, inserida no meio dos créditos finais.

William Sousa
@williamsousa

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