Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

Luta por Justiça (2019): drama eficaz sobre racismo

Elenco de peso e história baseada em fatos reais em um drama que se passa nos tribunais e cumpre o que prometeu.

O racismo é um tema presente em filmes e séries há muito tempo, mas tem ganhado destaque em produções atuais de muita qualidade. Apenas no ano passado, o vencedor do Oscar de Melhor Filme foi “Green Book: O Guia“, enquanto “Infiltrado na Klan” levou o Oscar de Melhor Roteiro Adaptado, ambas produções que retratam casos reais de discriminação racial ocorridos nos EUA. Agora, “Luta por Justiça” vem engrossar esse coro e mostrar como o tema afeta até mesmo o judiciário estadunidense, em um trabalho competente, ainda que sem o mesmo brilho de seus antecessores.

Michael B. Jordan (“Pantera Negra”) encaixa perfeitamente no papel do jovem prodígio Bryan Stevenson, recém-formado em direito pela mundialmente famosa universidade de Harvard. No lugar de procurar entrar em conceituados escritórios de advocacia, ele decide fazer algo menos ortodoxo: fornecer uma defesa justa para condenados no corredor da morte que, aparentemente, não tiveram um julgamento correto.

Ele conta com o auxílio de Eva Ansley, interpretada por uma Brie Larson carismática e com sotaque sulista carregado, que se assume a “direção operacional” do projeto. Os dois tratam do caso de Walter McMillian, ou “Johnny D.”, vivido pela forte interpretação de Jamie Foxx: um afro-americano preso no estado do Alabama e condenado à pena de morte pelo assassinato de uma jovem em um processo tortuoso.

“Luta por Justiça” é um filme de paralelos. Destin Daniel Cretton, diretor também do ótimo “Temporário 12”, imprime boas sacadas visuais ao filme, como na apresentação do advogado ainda no estágio. O rosto de Michael B. Jordan é enquadrado em zoom atrás das grades, dando a impressão de que ele seria um dos homens condenados, quando, na verdade, ele não está onde enclausuram os presos em suas celas, e sim daquelas grades que levam os defensores a visitarem o presídio. Logo na cena seguinte, o protagonista é colocado atrás de uma porta, onde só é possível vê-lo por um filete de vidro, sufocando o personagem de maneira análogo ao que os detentos devem se sentir dentro da cadeia.

Ambientado na cidade de Monroeville, no estado sulista do Alabama, os moradores citam com certo orgulho o seu Museu Mockingbird. Acontece que o local é a terra natal de Harper Lee, autora de “To Kill a Mockingbird” (“O Sol É Para Todos”, em português), que se tornou um filme com o mesmo nome. Abordando a história de um advogado que busca dar um atendimento justo a um afro-americano acusado de ter cometido um crime violento, percebe-se a semelhança entre o livro e o projeto cinematográfico, este baseado em um livro homônimo escrito pelo próprio Bryan Stevenson. É como se parte da população que não tarda em condenar uma pessoa negra, fosse a mesma população que se orgulha pela luta dos direitos civis, não respeitada na prática.

Infelizmente, esse apuro visual e simbólico não permanece por todo a produção e dá espaço a uma narrativa mais convencional e não muito inventiva. O trio de atores principais segue na mesma toada, sendo que  Michael  B. Jordan e Jamie Foxx já haviam trabalhado com a temática do racismo antes, com desempenhos mais marcantes em “Fruitvale Station: A Última Parada” e em “Django Livre”, respectivamente. O elenco realiza um bom trabalho, entretanto, perde a oportunidade de dar o brilho ou calor a mais de que o filme carece e eles já se mostraram capazes.

No fim, mesmo com a sensação de que havia a capacidade de ter um impacto maior, há aqui um bom exemplar de drama de tribunal baseado em fatos reais. É muito chocante e revoltante ouvir alguns dos argumentos usados nas condenações e saber que elas devem, de fato, ter sido utilizados textualmente por advogados e juízes. É um ponto que só serve para enfatizar que esse é um filme necessário e merece ser visto pelo maior número de pessoas possível.

Hiago Leal
@rapadura

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