Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

Os Órfãos (2019): preso demais às regras

Para quem gostaria de saber como seria um filme de terror feito por um algoritmo, "Os Órfãos" pode oferecer algumas pistas: uma soma de clichês sem propósito, mas que podem funcionar em alguns casos.

O cinema de gênero é caracterizado por diferentes itens (às vezes chamados de clichês) que limitam uma obra dentro de uma determinada classificação. Nos filmes de ação, as coreografias improváveis, perseguições frenéticas, tiros e explosões são marcas registradas, enquanto os musicais nos fazem aceitar que todas as pessoas sabem dançar e preferem conversar cantando. Esses elementos não diminuem um longa, nem fazem do cinema de gênero algo menor, são apenas recursos narrativos, e que em vários casos são muito bem utilizados. Mas e se um filme fosse feito apenas com esses elementos? Esse parece ser o caso de “Os Órfãos”, e o resultado não teria como ser pior.

Quando a jovem professora Kate (Mackenzie Davis) é contratada para trabalhar como governanta em uma antiga mansão, ela acredita que poderá fazer a diferença na vida da órfã Flora Fairchild (Brooklynn Prince). Porém, ao chegar no local, Kate começa a perceber que estranhos fenômenos acontecem ali, principalmente quando Miles (Finn Wolfhard), irmão mais velho de Flora, retorna subitamente para a mansão da família.

Floria Sigismondi (“The Runaways: Garotas do Rock”) parece estar mais preocupada em seguir uma cartilha de elementos do terror, do que em desenvolver sua trama. A diretora não perde tempo em apresentar os clássicos clichês de filmes sobre mansões mal assombradas, para tentar se comunicar com o público, como se tentasse desesperadamente dizer “isso que você está vendo é um filme de terror”. Assim, vamos de um prólogo que será explicado em algum momento, para uma garota que aceita ir para uma mansão do século 17 no meio do nada. Temos uma velha — que parece ser tão antiga quanto a própria mansão —, crianças estranhas, manequins assustadores e portas rangendo. Está tudo ali, em uma tentativa fútil de criar um ambiente assustador, o que eventualmente pode acontecer, mais pelo exagero do que por mérito da direção.

Nesse sentido, fãs menos exigentes não têm do que reclamar. Sustos são garantidos, embora previsíveis em alguns momentos. Mas essa opção por entregar um terror mais preocupado com os elementos do que com a história se mostra como um grande desserviço à própria obra, que não tem no que se apegar. São apresentadas tantas situações clássicas do gênero, que o filme não consegue desenvolver nada. Cômodos com uma ambientação macabra se tornam inúteis após terem servido ao seu propósito: uma ou duas cenas que não se conectam com o restante do longa. A referência à morte de Kurt Cobain serve para sinalizar que a trama se passa em 1994, mas isso também não serve para nada. São incontáveis cenas que apresentam algo, mas que o roteiro ignora poucos minutos depois.

Essa dificuldade em criar uma trama coesa é reforçada com uma montagem confusa, mas que não possui propósito. Em diversos momentos é possível se questionar se algo foi ignorado, ou se a projeção possui algum problema. Tudo isso tem uma finalidade — talvez a única consciente —, mas que é tão frágil quanto o restante do filme. Isso porque a obra, rapidamente, sugere um terror psicológico, mas abandona por completo esta ideia, partindo para o clássico terror sobrenatural. A partir deste ponto, o público pode até se questionar sobre a sanidade da protagonista, mas não há nada que sugira que este é um caminho possível. Porém, ao chegar nas sequências finais, a diretora opta por retornar a esta possibilidade, deixando o longa acabar com uma intragável ambiguidade. Um recurso que além de confuso, é covarde, desonesto e mal executado.

“Os Órfãos” é a prova que seguir criteriosamente todas as convenções de um gênero não é certeza de um bom filme. Talvez por se levar a sério demais, o trabalho de Sigismondi soa menos interessante do que pode ser visto em casos como a franquia “Velozes e Furiosos”, que se utiliza do gênero para criar uma catarse divertida e sem interesse com a realidade. Aqui, temos um filme que entrega tudo o que se espera de uma produção de terror, mas não oferece nada além de uma obra vazia e com alguns sustos. O resultado é uma produção essencialmente de terror, mas que parece ter sido sugerido por algum algoritmo qualquer.

Robinson Samulak Alves
@rsamulakalves

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