Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 16 de fevereiro de 2020

The Kid (2019): legado no faroeste

Obra do diretor Vincent D'Onofrio fica no meio do caminho entre ficção e realidade em mais uma adaptação da história de Billy the Kid.

O faroeste já foi muito explorado nos cinemas por Sergio Leone (com o western spaghetti), John Ford, Clint Eastwood, John Wayne, entre muitos outros. Os clássicos definiram uma régua de qualidade muito alta. Sabendo disso, é injusto comparar os filmes contemporâneos com os antigos, afinal estes ganharam uma camada de sentimento nostálgico. Criar algo original neste gênero requer se apoiar também nos clichês do Velho Oeste, como os ótimos exemplos de “Bravura Indômita“, “Os Oito Odiados” e “Django Livre“. Resumindo: inovar é essencial para não se perder em uma lista enorme de grandes filmes. E inovação não foi a palavra que o diretor Vincent D’Onofrio pensou ao lançar “The Kid”, sua versão de uma história já contada pelo menos uma dezena de vezes em Hollywood: a vida de William Bonney, o “Billy the Kid”.

Para contar sua trajetória, o cineasta se apoia em dois personagens ficcionais: os irmãos Rio (Jake Schur) e Sara Cutler (Leila George). A trama é narrada pelo adolescente, que mata o pai após testemunhar o homem batendo na sua mãe até a morte. Quando Grant (Chris Pratt), irmão do morto, se dá conta do crime, ele começa a perseguir os irmãos, que fogem para a cidade de Santa Fé em busca de um familiar que possa dar um abrigo. No caminho, se encontram com Billy the Kid (Dane DeHaan). Pouco tempo depois, o mesmo é capturado pelo xerife Pat Garrett (Ethan Hawke). Sua sentença é ser enforcado justamente em Santa Fé, fazendo os irmãos pegarem uma espécie de carona. A produção, portanto, não se apoia na apreensão, mas na relação entre a autoridade e o pistoleiro.

Rio se vê no meio de duas pessoas de personalidade forte e completamente diferentes. Ele se espelha em Billy, que teve uma história de vida parecida, afinal, ambos perderam a mãe durante a adolescência. Ao mesmo tempo, tem o desejo de fazer a coisa certa e contar a verdade para o xerife. Fica a dúvida: se inspirar no criminoso e se tornar um famoso fora da lei ou crescer como um homem honrado? A cada cena, Rio se inclina para um desses lados.

Em seu roteiro, Andrew Lanham aproveita sempre que possível para reforçar a importância das narrativas que eram contadas naquela época. A maneira brutal com que eram detalhados os crimes de Billy faziam as pessoas pensarem que ele jamais seria capturado. A importância do legado, independente de ser a favor ou contra a lei, é a base do roteiro.

Antes desse projeto, Chris Pratt, Ethan Hawke e Vincent D’Onofrio, já tinham trabalhado juntos em outro faroeste: “Sete Homens e um Destino”, de 2016, do diretor Antoine Fuqua. Hawke nasceu para interpretar no Velho Oeste e se sente em casa. Seu personagem chama a atenção para si em todas as cenas, tentando demonstrar que tem tudo sob controle, mesmo sabendo que um dos maiores bandidos da sua época está sob seus cuidados.

Chris Pratt está irreconhecível com uma barba enorme. Seu personagem aparece no começo e ganha uma importância desproporcional no terceiro ato. Já Dane DeHaan se esforça para demonstrar ser uma pessoa perigosa e tenta esconder seu lado humano, como um verdadeiro anti-herói. Em relação aos irmãos, a trama foca o tempo todo em James, enquanto sua irmã Sara é completamente ignorada, assim como qualquer figura feminina na obra.

As locações ficaram fidedignas às pequenas cidades fantasmas de antigamente, assim como os figurinos, que estão bem detalhados. O diretor leva a trama em um ritmo lento e não se decide sobre qual perspectiva será contada: sobre o xerife, sobre o Billy ou sobre os irmãos. Ele também tenta forçar uma rivalidade entre o delegado e Grant, mas os dois pouco interagem ao longo do filme.

Apesar de ser bem executado, “The Kid” é esquecível. Em uma cena, Pat Garret reforça: “A única história que conta é a que as pessoas dizem quando você morre”. No caso do filme, ela não terá destaque no grande legado do faroeste.

Fábio Rossini
@FabioRossinii

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