Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 15 de fevereiro de 2020

Ninguém Tá Olhando (Netflix, 1ª temporada): nos deixa nas nuvens

Com uma proposta de humor reflexivo, “Ninguém tá olhando” é uma série brasileira que supera as expectativas de quem a assiste. Introduz questionamentos filosóficos sobre a existência humana e o post mortem, ao mesmo tempo, que propõe uma reflexão sobre a vida em sociedade.

Mais um acerto brasileiro para o catálogo da Netflix, “Ninguém tá olhando” traz uma proposta de humor e tema que lembra muito “The Good Place“, mas que possui um enredo próprio e características bem abrasileiradas.

À primeira vista, a série pode parecer meio boba, com uma caracterização bem marcada e quase caricata: os Anjos, ou melhor, Angelus, são seres de asinhas pequenas como de galinhas, cabelos ruivos e usam gravata vermelha midi.  Formam uma espécie de corporação que ajudam os humanos a sobreviverem, já que somos inflamáveis, quebradiços e altamente perecíveis e estamos muitas vezes em situações de perigo que nem mesmo percebemos. Nada é coincidência, quando temos algum livramento, foi o trabalho de um deles, que é invisível para quem não é um dos seus pares, ou pelo menos é isso que eles creem.

Porém, o novo lançamento brasileiro da Netflix traz uma proposta de temática diferente e muita qualidade de produção. A trama gira em torno do aparecimento, depois de trezenta anos, de um novo Angelus: Uli. Ele aparece como o personagem contestador do sistema, que tem uma pegada Big Brother (o de George Orwell, não o programa de TV), com muitas regras, que não tarda em quebrar. O tempo todo os seres humanos são vigiados pelos Angelus, que vigiam a si mesmos e, acima de tudo, possuem a figura do “Chefe” como uma espécie de Deus que tudo manda e que tudo vê, mas que nunca é visto, se comunicando apenas através de um tubo. Assim, o protagonista começa seu trabalho de “trainee”, vigiado pelos experientes Chun e Greta, que o levam para começar. A química desse grupo funciona consideravelmente bem e logo são adicionados mais dois personagens humanos à trama: a nada frágil “mocinha” Miriam e o “bobo da corte” Sandro. Aqui, o timing de humor é muito bom e vale ressaltar que não à toa, pois eles têm o background humorístico na internet, vindo de canais como o “Porta dos Fundos“, “Parafernalha“, “Choque de Cultura” e “5incominutos“. Sobre o ritmo também é importante destacar a experiência de Daniel Rezende (“A Árvore da Vida“) como montador, que faz toda diferença tanto em cenas mais dramáticas e longas quanto nas de piadas, mesmo que já “batidas”. Esse aspecto dá à obra uma leve semelhança com uma chanchada. 

Cada personagem segue com seu drama próprio, a partir da descoberta de Uli de que as coisas não são como parecem, algumas verdades caem por terra e o mundo de Chun e Greta começam a entrar em conflito – afinal eles se privaram de várias coisas e acreditaram durante milhares de anos em um sistema. Esse colapso afeta principalmente Greta, que começa a abandonar o trabalho, beber, se drogar e experimenta o sexo, o que mais tarde trará sérias consequências. Chun, que sempre foi um “funcionário” exemplar, é o que mais resiste a acreditar na verdade e a mudar de comportamento. O protagonista se apaixona por Miriam, quase que à primeira vista, e ela o faz conhecer e experimentar mais sobre os humanos e entendê-los ou, muitas vezes, só o deixa mais confuso.

Um ponto fraco são os diálogos que, em alguns momentos, parecem engessados e não naturais. Isso se destaca, principalmente, em momentos em que se tenta “militar” como, por exemplo, nas falas sobre feminismo, sexo e assuntos mais “polêmicos”. O drama final também é meio confuso e beira o ridículo o motivo da briga do casal principal, decepcionando um pouco quem o assiste.

A trilha traz um aspecto “fofo”, tendo assobios e uma leveza muito boa, para toda a temporada, porém dosa isso com os momentos de drama que a deixa, por vezes, sinistra. Já no final, há uma surpresa bastante adorável para os fãs de Sandy e Junior.

Assim, pode-se dizer que o produto é uma série encantadora e de dar orgulho principalmente, para quem é brasileiro. Possui personagens carismáticos, temática interessante e excelente escolha de casting, “Ninguém tá olhando” é uma ótima pedida para qualquer momento e dá vontade de reassistir, mais de uma vez. 

Maduda Freitas
@MadudaFreitas

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