Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 24 de janeiro de 2020

Estrelas de Cinema Nunca Morrem (2017): poesia da vida

Falando sobre vida e obra, "Estrelas de Cinema Nunca Morrem" é um filme de amor e aversão a ambas as coisas.

A busca do artista por sua identidade é tão ou até mais desgastante do que mantê-la depois de tanto tempo. Várias atrizes, atores, diretores e artistas, enfim, foram esquecidos pelo tempo, ou engolidos pelas mudanças que vieram. “Estrelas de Cinema Nunca Morrem” trata dessa questão de forma literal e simbólica, ao contar a história da atriz Gloria Grahame (Annette Bening), que teve seu auge nos filmes em preto e branco, mas nos anos 1970 se encontra esquecida por grande parte da mídia. Ela conhece Peter Turner (Jamie Bell), um jovem ator britânico por quem se apaixona e mantém uma relação de amizade. Depois de idas e vindas, Gloria descobre que tem um grave doença; e a medida que seu tempo se esvai, Peter relembra os momentos felizes que tiveram juntos.

Durante 106 minutos, o que se vê é uma relação poética, que transcende a barreira do prazer. O diretor Paul McGuigan (“Victor Frankenstein”) guia sua câmera de forma belíssima e suave, ao mesmo tempo em que é guiado pela dupla de protagonistas em atuações repletas de sensibilidade. A fotografia bastante iluminada deixa as lembranças de Peter com um tom onírico, auxiliadas pela entrada e saídas de músicas repentinas, além de mudanças constantes de cenário, graças a um belo trabalho de edição.

Metalinguístico, a produção se aproxima de uma peça teatral, com as várias mudanças de atos e ambientes. O texto de Matt Greenhalgh (“O Garoto de Liverpool”), baseado na livro homônimo do próprio Turner, possui um tom de despedida nos vários diálogos entre Peter e sua família. Além da morte iminente, ele e Gloria ainda precisam conviver com o preconceito devido a diferença de idade, exemplificando o machismo da época. Aliás, Benning abandona toda a vaidade ao deixar a vencedora do Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante em 1953 por “Assim Estava Escrito”, bastante frágil.

As idas e vindas no tempo tornam tudo cíclico, como se vivêssemos as mesmas coisas, mas em intervalos diferentes da história. Passado e presente, Liverpool e Hollywood, vida e morte, alegria e tristeza, tudo se entrelaça, como se fosse uma coisa só. Unidade é algo que também se encontra na relação entre Gloria e Peter. Muito parecidos, eles dançam, cantam e planejam o futuro com uma química ímpar. É a união perfeita da chuva londrina com o sol hollywoodiano.

Não se entregando ao drama melancólico e dosando bem seu tom, “Estrelas de Cinema Nunca Morrem” é uma história de amor entre figuras opostas, que vivem a vida intensamente de forma igual. Se ancorando no passado glorioso e luminoso, o presente é propositalmente cercado de escuridão. O belo visual e o design de som se sobressaem, mas durante muito tempo o filme mantém seu destaque no romance, não permitindo que possamos conhecer mais a fundo a figura de Peter.

Apesar de alguns problemas de foco, a obra consegue ser bonita, singela e repleto de vida, muito diferente do show business, mas bastante semelhante à vida real.

Tiago Soares
@rapadura

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