Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

She-Ra e as Princesas do Poder (Netflix, 4ª Temporada): duras provações

Voltando a ter 13 episódios, a quarta temporada faz ótimo proveito da duração a mais para mostrar que amizades são como rapaduras, doces, porém duras.

A releitura da personagem nascida nos anos 80 segue firme e forte nesta nova abordagem, trazendo uma quarta temporada mais longeva – voltando a ter os 13 episódios que a primeira teve – e segue sem a menor hesitação no desenvolvimento de seus personagens. “She-Ra e as Princesas do Poder” é uma aula de como um produto infantil pode tratar seu público alvo com o respeito e inteligência que merecem.

Além da baita complexidade com que suas protagonistas são construídas, a série nunca cai na armadilha da repetição e a história avança a largos passos. Cintilante agora é rainha e tem que lidar com suas novas responsabilidades e o luto pela perda da mãe, o que gera gigantesco peso nas costas de uma menina ainda muito jovem subitamente incumbida de deveres monumentais. Seu forçado amadurecimento é representado visualmente, parecendo estar no meio daquele período em que adolescentes ganham muita altura em pouco tempo, ela tem seu traço alterado e está mais alta, bom artifício para ilustrar que ela agora precisa aprender a pensar como adulta.

A pressão do novo cargo é difícil e complicada para a nova rainha, e acabam sendo a força motriz que trará desafios entre as principais amizades da série, que, se já vinha discorrendo sobre relacionamentos tóxicos, agora mergulha nos percalços que acabam ocorrendo em amizades, desafiando os amigos a tomar posturas e atitudes que terão peso definitivo no futuro de suas relações. Entretanto, a maneira do Esquadrão Melhores Amigos de lidar com os desentendimentos e discussões acaloradas contrastadas com a forma com que Felina lida com seus desafios pessoais é magnífica. A principal antagonista da série é tóxica em suas relações, e o roteiro leva o público a entender de onde vem tal veneno, sem deixar de tratá-la como um ser complexo e cheio de emoções, que sofre horrores com as mágoas que causa nos outros mas não consegue se libertar do ciclo vicioso em que se encontra. Aliás, há uma cena em que se usa um artifício visual para mostrar Felina sem armaduras emocionais, é uma boa metáfora que ilustra toda a sua fragilidade e solidão.

Scorpia ganha merecido destaque nesta temporada, tendo sua relevância para a trama aumentada de maneira justa e satisfatória. Sua jornada em aprender a lidar com um relacionamento abusivo é tocante, real, dolorosa e esperançosa. É impressionante como os personagens se desenvolvem e como as relações são complexas. As camadas são reais e variadas o bastante para que role uma conexão com pelo menos um deles. Destaque também para o novato Double-Trouble, um ser capaz de mudar de forma e imitar outros. Esse artifício é usado brilhantemente pela série para que conflitos nasçam de maneira orgânica e ele se prova uma ótima adição ao rol de personagens. Porém, na legenda seu nome foi traduzido para “Encrenca Dupla” enquanto na dublagem ficou o nome em inglês mesmo. Uma decisão precisa ser tomada para que não haja confusão quando os fãs forem conversar entre si.

O desenho mostra boa melhora também nas batalhas e lutas, com coreografias melhores e mais empolgantes. Há uma ótima sequência de luta em que She-Ra e Cintilante derrotam membros da Horda juntas num ótimo jogo dinâmico de câmera que não falha em dar uma boa injeção de adrenalina.

Destaque também para o fantástico nono episódio, onde Madame Rizzo retorna à série e é magistralmente usada de maneira que não só leva o espectador a conhecer um pouco mais sobre suas habilidades e sobre suas emoções. Aqui, há revelações bombásticas sobre o passado deste universo e sobre Mara, a She-Ra anterior. A barra continua sendo elevada no episódio seguinte, que traz uma surpresa cheia de potencial e culmina num season finale que vai deixar qualquer fã babando pela próxima temporada.

“She-Ra e as Princesas do Poder” é, definitivamente, uma obra voltada para o público infantil e pré-adolescente, com violência que nunca é demasiada ou imprópria, mas trata seu público alvo com um respeito que poucas obras do gênero conseguem, entregando personagens altamente complexos buscando paz de espírito e felicidade. Mais humano, impossível.

Bruno Passos
@passosnerds

Compartilhe