Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 15 de novembro de 2019

Meu Nome é Dolemite (Netflix, 2019): príncipe da rima

Eddie Murphy retoma a velha e boa forma neste divertido original Netflix sobre um homem de atitudes censuráveis que com muita persistência criou sua própria lenda.

Ator, comediante, produtor e cantor americano. Pioneiro do humor sexualmente explícito e expoente no gênero blaxploitation – movimento cinematográfico no qual os filmes eram protagonizados e realizados por atores e diretores negros e tinham como público alvo, principalmente, os negros norte-americanos. Mesmo com tantos predicados, ainda assim pouco se sabe ou ouve falar de Rudy Ray Moore. Conhecer a história dele – que chegou causando impacto nos longínquos anos 1970 quando criou seu lascivo alter-ego -, e o que ela representa para o entretenimento não é um dever, porém um prazer que agora se pode ter ao assistir “Meu Nome é Dolemite”. A cinebiografia divertida e cheia de swing retrata a ascensão do artista, a criação do personagem Mr. Dolemite e a trajetória de uma figura reconhecida pelas rimas censuráveis, igualmente relevantes por seu entusiasmo e persistência.

Levada às telas do streaming pela Netflix, a trama escrita por Scott Alexander e Larry Karaszewski (“Goosebumps: Monstros e Arrepios”) acompanha Rudy Ray Moore, homem beirando os quarenta anos que divide seus dias entre gerenciar uma loja de discos no gueto pela manhã e trabalhar como mestre de cerimônias numa casa noturna. Sem sucesso em ambos e perseguindo o sonho de ser famoso, o talentoso e determinado sujeito fabrica uma identidade fictícia com a ajuda de alguns mendigos e suas fábulas: Mr. Dolemite, um cafetão bem articulado, príncipe das rimas e mestre no kung fu. Proclamando versos indecentes ao redor do país sob a alcunha de uma personalidade polêmica e condenável, tem início uma escalada meteórica que desperta nele um desejo ainda mais audacioso: levar sua arte para o cinema. Agora, mais uma vez ele irá contra tudo e todos para produzir e estrelar o seu próprio filme.

Para dar vida ao protagonista, a produção acerta em cheio na escalação de Eddie Murphy. E como é satisfatório ver o ator confortável num papel mais artístico e menos preocupado em interpretar vários personagens ao mesmo tempo. Depois de enfileirar fracassos de bilheteria com “Norbit, uma Comédia de Peso” “Imagine Só!”, “As Mil Palavras” e “Mr. Church”, o ator (agora em preparação para as esperadas sequências de “Um Príncipe em Nova York” e “Um Tira da Pesada”, grandes êxitos de sua carreira), retoma aqui a velha e boa forma, alavancada pelas semelhanças que tem com o próprio biografado. Assim como o astro, o intérprete tem o dom de entreter uma platéia e uma passagem expressiva pelo stand-up comedy, utilizando essa experiência para compor a figura e conferir naturalidade e desenvoltura às cenas em que está no palco através do brilho advindo de diálogos ágeis e da dinâmica com os ótimos coadjuvantes.

Os atores Keegan-Michael Key (“Brincando com Fogo”), Mike Epps (“Tio Drew”), Craig Robinson (“As Garotas da Tragédia”), Tituss Burgess (“A Família Addams”) e Da’Vine Joy Randolph (“A Última Ressaca do Ano”) oferecem o suporte perfeito para as habilidades cômicas de Murphy ganharem mais volume, alternando diálogos espertos e engraçados. Enquanto isso, o veterano Wesley Snipes (“Os Mercenários 3”) rouba a cena com seu D’Urville Martin sempre que aparece com toda a sua malemolência. Dispondo de um elenco afiado e bem entrosado, o diretor Craig Brewer (“Footloose: Ritmo Contagiante”) só tem a tarefa de deixá-los à vontade e fazer a narrativa fluir. Ele opta por comandar a cinebiografia a partir da estrutura convencional do argumento e essa escolha diminui o potencial de um projeto que pede um pouco mais de inventividade. No entanto, as interferências pontuais permitem que os astros da companhia mostrem toda a sua capacidade.

Situada em plenos anos 1970, seria um tremendo erro não explorar a elegância dos figurinos estilosos daquela época. Em tempo, a vencedora do Oscar na categoria, Ruth E. Carter (por seu trabalho impecável em “Pantera Negra”), aqui é a responsável por essa função e a executa com charme e requinte. Ao guiar o espectador por uma viagem ao longo do período, as vestimentas transpiram personalidade, vide as belíssimas roupas de Moore/Dolemite. Destaque também para a trilha sonora envolvente recheada de hits compostos por nomes como Marvin Gaye, passando por Kool & The Gang até chegar a The Commodores, o que confere sensualidade e graciosidade ao filme. Mais do que sacramentar a volta de Eddie Murphy às paradas, a comédia “Meu nome é Dolemite”, com toda a sua vivacidade e descaramento, recupera uma pitoresca celebridade, símbolo do blaxploitation, do entretenimento e de persistência.

Dolemite is my name, and f**king up m*therf**kers is my game.

Renato Caliman
@renato_caliman

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