Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 09 de outubro de 2019

Um Banho de Vida (2018): uma leve comédia de dar “água na boca”

Um cômico conto sobre os percalços de homens de meia-idade e o uso do nado sincronizado como um inusitado escapismo. Um roteiro original, alinhado com direção dinâmica e talentoso elenco.

Um Banho de Vida” conta com uma introdução muito interessante: uma associação de imagens e narração que não estão diretamente ligadas com a história, mas que transmitem toda a ideia da trama e que pode ser resumida como “quadrados que não encaixam em buracos redondos”. O premiado longa é a história de homens vivendo uma “crise da meia-idade”, momento que também geralmente é ligado às mulheres. Esse excêntrico grupo nos mostra que o seu gênero pode sofrer de diversas questões e problemas sensíveis que tocam os pontos emocionais. Para arrematar o encontro de ideias que são incomuns à nossa sociedade, eles descobrem uma forma de escapar desses problemas, que afetam suas vidas pessoais e até profissionais: o nado sincronizado (também conhecido como nado artístico). Tal esporte também é usualmente atrelado ao gênero feminino além de ser praticado por pessoas jovens.

Um pai de família com um diagnóstico de depressão, que vive prostrado no sofá jogando Candy Crush, segundo os próprios filhos. Empresário à beira da falência. Músico frustrado que toca em lugares deprimentes à noite, sem conseguir nem o reconhecimento do público nem o carinho da filha adolescente. Uma ex-atleta paraplégica. Uma ex-atleta alcoólatra. Assim é o exterior de alguns dos personagens do diretor Gilles Lellouche, mas durante a obra eles vão evoluindo e mostrando que são muito mais que seus problemas e que esses são apenas aspectos de suas vidas. Aqui os personagens e respectivos intérpretes são a verdadeira alma da obra. Eles são tão profundos e construídos com tantas camadas que são de fácil identificação com o espectador, que sofre um processo catártico ao assistir, apesar da história um pouco inusitada. Outro ponto que merece destaque é que os atores conseguem fluir muito bem do tom mais dramático para o cômico, de acordo com a necessidade das cenas.

Esse grupo está em tanta sincronia, nem tanto no nado em si, mas no sentido mais “espiritual”, que eles resolvem, apesar de todas as probabilidades de sucesso irem contra, se inscrever num campeonato mundial de nado sincronizado. Assim, se inicia uma rotina rigorosa de treinos e arquitetam-se mirabolantes planos para a viagem e competição – até mesmo uma hilária sequência de como conseguem o uniforme. Dois novos membros entram para equipe, um no início e outro no fim do segundo ato.

Uma condução interessante é que o protagonismo inicial de Bertrand (Mathieu Amalric), um dos nadadores do grupo que serve como um fio condutor para dar start na história, vai se dissolvendo e dando “lugar ao pódio” de primeiro lugar à própria “Equipe da França” em que todos se tornam, com suas particularidades, uma espécie de organismo único. A obra também tem uma sacada muito boa e original ao mostrar outro lado da França, contrário ao exibido tradicionalmente, sem Torre Eiffel, com moradores suburbanos, classe média baixa, assolados pela crise, ou seja, uma minoria social num pano de fundo também marginalizado pelas grandes produções que rodam no país.

Apesar do final fácil e não crível, o espectador o encara com certo alívio, já que os personagens nos tocam tanto e passam por muitos maus lençóis. O happy ending acaba agradando. Sendo assim, “Um Banho de Vida” dá um show de comédia e dramaticidade, sendo uma ótima escolha de filme para se ver em quase qualquer momento.

Maduda Freitas
@MadudaFreitas

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