Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 18 de setembro de 2019

The Handmaid’s Tale – O Conto da Aia (3ª Temporada): revolução a passos lentos [SÉRIE]

Novo ano da série aprofunda os erros da segunda parte, exigindo paciência de quem a assiste. Quesitos técnicos, como a fotografia, amenizam o problema.

A estreia da série “The Handmaid’s Tale – O Conto da Aia”, obra baseada no livro de mesmo nome da canadense Margaret Atwood, chocou o mundo do entretenimento em 2017. Diversos foram os prêmios para a produção incumbida de contar a história de um trágico futuro no qual os Estados Unidos passam a ser comandados por uma organização política e religiosa responsável por subverter o papel da mulher na sociedade. Durante sua segunda temporada, em 2019, vimos o interesse pela série cair, tanto por parte do público quanto da crítica, cansados de investir seu tempo em uma história que pouco se desenvolvia. Sem inovar e investindo nos mesmos elementos negativos do ano anterior, a nova temporada de “The Handmaid’s Tale” mantém a morosidade ao longo de 13 demorados episódios. Até para os fãs mais dedicados da produção americana, fica difícil se manter firme aos percalços impostos pelos roteiristas.

Importante, antes de continuar, relembrar o enredo do show. Ainda sem sabermos tudo sobre a sua origem (algo essencial para seu futuro), “The Handmaid’s Tale – O Conto da Aia” se passa em um tempo não tão distante quando o grupo político Gilead tomou o governo dos Estados Unidos por meio de um golpe de Estado. Buscando solucionar o problema da falta de alimentos no mundo, em função das mudanças climáticas e a infertilidade das mulheres, seus gestores – todos homens – se calcam na mistura de preceitos bíblicos para escravizar as poucas mulheres férteis, as Aias, usando-as como meras reprodutoras para crianças que farão parte, no futuro, da elite de Gilead.

Nesse cenário, após o chocante – e decepcionante – final da temporada anterior, vemos a protagonista da história passar por radical mudança em sua atitude, depois de tomar a decisão de não fugir do antigo território americano junto com sua filha Nicole. June, agora chamada de Ofjoseph (Elisabeth Moss), após tanto sofrimento como Aia, decide se manter como escrava, mas agora age como uma rebelde. Sem nenhum tipo de inibição, ela passa a desafiar as mais diversas autoridades de Gilead sem nada lhe acontecer, algo difícil de acreditar, principalmente para quem viu os anos anteriores do show. De maneira geral, todos os personagens principais passam por grandes transformações nesse novo ano. Serena (Yvonne Strahovski) e Fred Walterford (Joseph Fiennes), após momentos de altos e baixos, parecem sempre se acertar no final, mas a perda da sua “filha”, causa um impacto tão grande que irá trazer consequências profundas ao final dessa temporada.

A misteriosa Tia Lydia (Ann Dowd), responsável por doutrinar, colocar nos eixos as Aias e puní-las sempre quando necessário, e que todos achavam estar morta em razão do seu desfecho no ano anterior, retorna e tem um episódio dedicado à parte da sua história antes da troca de regime político nos EUA, dando contexto para os atos praticados nesse novo ambiente de opressão e exploração ao sexo feminino. Alçado entre os personagens de destaque, o Comandante Joseph Lawrence (Bradley Whitford), o principal responsável por arquitetar o sistema produtivo e econômico de Gilead, passa a ser o responsável por June. O envolvimento dos dois: a jovem revoltada com o regime, separada da sua família e da sua liberdade, e a figura que se recusa a ter relações com sua Aia e a ajuda em seus planos – sem sabermos ao certo o porquê – é o fator impulsionador da história, contada em um ritmo muito lento e maçante.

“The Handsmaid’s Tale” é uma série que pode ser dividida em duas. A primeira se caracteriza por uma ótima produção nos quesitos técnicos. Difícil de encontrar show que melhor faz uso da fotografia (quase no mesmo nível da disruptiva “Mr. Robot”) e da saturação das cores, elementos aqui essenciais para desenvolver a narrativa de June. Seus closes, movimentos de câmeras, aliados à ótima interpretação de Elisabeth Moss possibilitam uma história interessante e cheias de nuances. O que não colabora é justamente o outro lado da série, no qual seu roteiro, ao invés de conversar com os quesitos técnicos, trabalha contra, apresentando uma história que simplesmente não evolui. Neste novo ano, são sequências de episódios com June sofrendo, tramando alguma vingança, sofrendo mais um pouco e tramando mais algum plano mirabolante no mesmo estilo da quase esquecida “The Walking Dead”, com suas histórias intermináveis. O alto número de episódios por ano – algo cada vez mais questionável neste cenário de centenas de séries disputando a atenção de um público quase sem tempo – é algo difícil de entender.

Apenas a partir do décimo segundo episódio, intitulado “Liars“, que a história se desenvolve com mais rapidez. Neste bom episódio conhecemos o plano de June de resgatar mais de 50 crianças – talvez o bem mais precioso de Gilead – as levando para o Canadá, onde vivem milhares de refugiados dos antigos Estados Unidos. Um plano impossível de ser executado se essa ideia fosse sugerida na primeira parte. Porém, agora, tudo parece ser possível.

Entre muitos erros e alguns acertos, a nova temporada de “The Handmaid’s Tale” decepciona, exigindo paciência e devoção dos seus fãs para conseguirem chegar até o final. Resta saber se esse ritmo lento foi algo intencional dos seus produtores, que podem acelerar a história na quarta temporada – já confirmada – em 2020. Resta a June, e a todos nós espectadores, algo muito exigido neste ano: paciência.

Filipe Scotti
@filipescotti

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