Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 10 de setembro de 2019

A Tabacaria (2018): prazeres e sofrimentos jovens na Áustria ocupada por Hitler

Apesar de não trazer uma narrativa com muitas inovações, o filme de Nikolaus Leytner consegue apresentar uma história bem construída e com bons personagens.

Nos últimos anos, temos recebido uma boa quantidade de filmes “coming of age” que se passam durante a Segunda Guerra Mundial. Alguns deles sendo “O Leitor”, “Lore”, “A Menina Que Roubava Livros”, e, mais recentemente, “A Tabacaria”. Baseado no livro de 2012 do autor Robert Seethaler, seguimos a história de Franz (Simon Morzé), um garoto alemão de dezessete anos que é enviado para Viena pela sua mãe (Regina Fritsch) para trabalhar na tabacaria de Otto Trsnjek (Johannes Krisch), velho amigo da família. Lá, além de se apaixonar pela primeira vez, por Anezka (Emma Drogunova), Franz começa uma amizade singular com um frequentador constante da tabacaria: Sigmund Freud, interpretado por Bruno Ganz (“A Queda! As Últimas Horas de Hitler”) em um dos seus últimos papéis para o cinema antes de seu falecimento.

O filme faz um bom trabalho desenvolvendo o personagem de Franz e nos mostrando sua personalidade no primeiro ato, algo bastante necessário para a história. Por ser um garoto jovem que nunca teve experiência com mulheres e está começando a descobrir a vida, se a audiência não conhecesse mais sobre ele, talvez seus problemas e questionamentos parecessem um pouco infantis. Isso ainda acontece em alguns momentos, mas nada que comprometa muito seu arco negativamente.

O romance é um dos grandes pontos da narrativa, e é interessante acompanhar a dinâmica de seu relacionamento com Anezka por ela ser o exato oposto de Franz: mais velha, extrovertida e não tem vergonha de falar o que quer. Franz não compartilha muito dos seus sentimentos com ninguém, então a forma que ficamos sabendo sobre suas questões mais ocultas após o primeiro ato são através de sequências de sonhos e quando ele está em alguma situação difícil e imagina como gostaria de agir, para logo depois vermos como ele realmente lidou com tais situações. A cinematografia e trilha sonora mudam instantaneamente quando esses momentos acontecem, nos alertando desde o começo que não se tratam da realidade. As “alucinações” são mais eficientes em mostrar o tipo de pessoa mais ativa que Franz gostaria de ser. Já os seus sonhos não nos ajudam a entender melhor o personagem e se tornam cansativos no decorrer da história.

Todas as atuações são muito competentes, mas o destaque está sem dúvida (e sem muita surpresa para quem já conhece o trabalho do ator) no Sigmund Freud de Bruno Ganz. Apesar do roteiro de Klaus Nitcher e Nikolaus Leytner (o segundo também sendo o diretor da obra) contar com o conhecimento da audiência sobre a persona de Freud e não aprofundar muito ele como personagem na obra, suas cenas e discussões com Franz são as mais interessantes do filme. Freud é retratado como o único personagem que realmente entende os questionamentos e personalidade do protagonista. O adolescente também cria uma relação bastante paternal com Otto, o dono da tabacaria. Otto e Freud são personagens diferentes entre si mas dá para sentir como ambos, de formas distintas, ajudam Franz a crescer como pessoa, principalmente no terceiro ato.

Um aspecto que poderia ser melhor trabalhado no roteiro de Nitcher e Leytner quanto ao relacionamento entre Franz e Anezka é o tempo de tela da personagem de Drogunova, que fica ausente por grandes períodos. Isso não faz muito sentido, considerando que, como citado anteriormente, o romance é bastante importante para a história de Franz. É o catalisador de várias mudanças na sua vida. Apesar de o protagonista estar sempre falando e sonhando sobre ela, uma presença mais constante da personagem durante a história faz falta. A passagem de tempo no filme não é muito bem explicada, o que por vezes pode deixar a audiência confusa em relação ao nível de intimidade que os personagens criam uns com os outros.

Com a ascensão de Hitler ao poder, a obra também retrata, em partes, como se davam as tensões entre os austríacos que apoiavam o ditador e aqueles que não queriam se envolver com o regime nazista. Apesar de não ir tão fundo nessas questões, ele demonstra de forma interessante como as relações de poder mudaram com a chegada do exército de Hitler ao país. Com um começo mais leve, a narrativa consegue mudar para um tom mais sombrio na sua segunda metade de forma gradativa e sem parecer brusco.

É bastante nítido que as cenas externas do filme foram gravadas em sets e não nas ruas de Viena, porém a ambientação da época é muito bem construída pela direção de arte de Nicole Schmied, apesar da cinematografia de Hermann Dunzendorfer não arriscar ou inovar em planos mais interessantes para a obra, ficando sempre nos mesmos movimentos. A trilha sonora de Matthias Weber é uma ótima adição, ajudando a construir o tom certo para narrativa em todos os seus momentos.

No seu centro, “A Tabacaria” não inova muito na trama apresentada, se não considerarmos o uso de Freud como personagem. Porém, ainda assim é uma obra atraente para quem gosta de filmes sobre a Segunda Guerra Mundial, principalmente aqueles contados de um ponto de vista um pouco diferente da maioria das obras cinematográficas sobre o assunto.

Lívia Almeida
@livvvalmeida

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