Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 05 de setembro de 2019

Amor em Obras (Netflix, 2019): para quem não quer pensar em nada

A Netflix subestima seu público com mais um filme de comédia romântica extremamente previsível, mas que cumpre sua função, além de encher o catálogo.

Nos últimos tempos a realidade tem sido cada vez mais dura e pessimista, tanto nas batalhas individuais do dia-a-dia, quanto nas interações de cada um com a sociedade em meio a enxurrada de desastres e notícias alarmantes nos jornais e redes sociais. Para quem está cansado de ter que pensar e debater, para quem não aguenta mais ver desgraça e quer se distanciar de emoções negativas, filmes como “Amor em Obras”, rasos e previsíveis, têm sua função.    

Em seu resgate ao gênero de comédia romântica, a Netflix dessa vez traz a história de Gabriela (Christina Millian, “Amor de Aluguel”), uma executiva de São Francisco que, após perder o emprego e terminar com o namorado, cai em uma armadilha da internet e acaba adquirindo uma pousada em uma zona rural da Nova Zelândia, que está caindo aos pedaços. Porém, Gabriela, uma mulher ativa e otimista, decide encarar a desventura como uma oportunidade de construir a casa dos seus sonhos e acaba se apaixonando por um morador local, Jake (Adam Demos), que sempre parece estar em seu caminho.

Já nos primeiros minutos o longa falha na tentativa de construir uma piada baseada na montagem da cena, que deveria confundir o espectador ao criar a expectativa de que a protagonista estaria pedalando uma bicicleta real. No entanto, por ser muito óbvio que ela não está, a revelação de que tudo se trata de um jogo de realidade virtual mata o humor. Essa é apenas uma amostra do que está por vir adiante, pois até a metade do filme as piadas não funcionam e são previsíveis, trazendo todos os clichês de comédia romântica possíveis e imagináveis.

O filme também se propõe a descartar o estereótipo de personagens femininas comuns ao gênero, trazendo Gabriela como uma mulher independente, que trabalha duro para mostrar seu valor em um ambiente corporativo composto apenas por homens. Gabriela se impõe terminando seu namoro com Dean (Jeffrey Bowyer-Chapman, “Tirando o Atraso”), que embora bonito e bem sucedido, controla até o que sua namorada come. Ele também não quer se comprometer emocionalmente em um nível mais sério, embora estejam juntos por mais de dois anos. Porém, a proposta do viés feminista é superficial, problemática e decepcionante, pois todas as vezes que a personagem mostra sua determinação e capacidade, seja física ou intelectual, a trama responde com uma situação que a descredibiliza, seja através de uma ação desastrosa de Gabriela ou da fala de algum personagem masculino que confirma as falhas da protagonista. Ela fracassa quando tenta fazer algo sozinha, mas Jake, na figura do “branco salvador”, sempre surge ao resgate. 

Além disso, embora a protagonista se relacione com outras mulheres na história, na maioria das vezes o status de relacionamento delas ou a vida de outro personagem masculino são as pautas centrais nos diálogos. Na única vez que isso não ocorre, o breve diálogo das duas mulheres serve apenas como uma introdução de cena para que o interesse amoroso de Gabriela pudesse aparecer. A protagonista surge como a mulher que é inteligente, esforçada, que não tem medo de pôr a mão na massa e fazer serviços pesados, mas acaba se rendendo ao cavalheirismo de Jake, personagem que não tem nenhuma substância ou carisma, servindo apenas como um eye candy.

O clima de positividade conseguido através das paisagens exuberantes e uso abundante de iluminação natural, aliado à previsibilidade do roteiro, confortam o espectador que está à procura de desligar o cérebro e receber entretenimento barato. É compreensível a função de filmes como Amor em Obras e este até pode funcionar para uma parcela do público da locadora vermelha. No entanto, o longa que mais parece ter sido escrito por um algoritmo, desaparece da memória logo após os créditos finais. 

Tayana Teister
@tayteister

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