Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 13 de setembro de 2019

Matilda (1996): tratando crianças com respeito [CLÁSSICO]

Ludicamente macabro, o filme é um exemplo de como obras infantis não precisam tratar seu público-alvo como pessoas bobas incapazes de entender conceitos importantes.

O escritor Roald Dahl publicou inúmeros livros, alguns deles adaptados para o cinema, como “James e o Pêssego Gigante” e “A Fantástica Fábrica de Chocolate”. Em 1996, uma de suas obras chega ao cinema dirigida por Danny DeVito (“Dumbo”), que também atua no filme como pai da protagonista que dá seu nome ao título do longa “Matilda”.

Matilda (Mara Wilson) é uma menina prodígio que nasceu numa família negligente e trambiqueira. Logo percebendo que vai ter que tomar conta de si mesma, procura aventuras, aprende a ler muito cedo e se apaixona por livros. Eles são sua fonte de conhecimento, sua maneira de buscar escapismo e se tornam parte vital da rotina de Matilda e de sua personalidade. É por meio deles que ela explora o mundo e que aprende a ser forte. Eles a ajudaram a desenvolver sua inteligência, que passa a ser usada para lutar e ter forças para se impor quando precisa defender o que é certo. Depois de muita insistência da parte da protagonista, seu pai a manda para a escola. Lá, ela conhece a gentil professora Honey (Embeth Davidtz) e a vilanesca figura imponente da diretora Trunchbull (Pam Ferris).

Apesar da sinopse parecer muito sombria, o longa é bem leve, afinal de contas, é direcionado ao público infantil. Entretanto, ao contrário de muitas obras voltadas para tal público, ele não trata as crianças como bobas, mas sim como pessoas que podem entender certos conceitos de educação, responsabilidade e gentileza, gente que sabe não só se divertir, como ponderar sobre as questões levantadas por um filme que pode ensinar muito sobre a vida durante seus primeiros anos. Para tal objetivo, as situações do filme são apresentadas de maneira extrapolada, bem fantasiosa, com as leis da física funcionando como mágica em vários momentos e até poderes telecinéticos são desenvolvidos. Isso faz com que os atos da diretora Trunchbull, que são violentos e criminosos, sejam percebidos de maneira irreal, sem consequências horrorosas (que aconteceriam no mundo real), mas é o acertado artifício do roteiro para levar as crianças a questionarem o que é certo e errado. Para o público adulto, ver essa linguagem se desenvolvendo é bastante divertido.

Essa filosofia permeia todo o visual do filme. É tudo magicamente alegre, embora coisas horríveis estejam acontecendo. O figurino da família da Matilda e a decoração da casa ilustra pessoas cafonas e sem capacidade de mínima análise crítica. O retrato da escola, principalmente nas cenas em que a sala de aula precisa ser transformada quando a diretora passa para uma inspeção, mostra um lugar opressivo e sombrio, mas tudo de maneira muito lúdica. O fato de ter a frase “se você está se divertindo, você não está aprendendo” estampada na escola é um bom exemplo da filosofia praticamente fascista que a diretora impõe sobre todos. Aliás, a própria diretora é uma vilã terrível, mas ao mesmo tempo ridícula.

Danny DeVito acerta na mosca ao criar o ambiente macabro do filme de maneira tão brincalhona, tornando-o divertido e marcante para o público infantil. O grande trunfo está não em entregar adultos caricatos, mas em ajudar crianças a perceberem que elas têm muito o que dizer e que podem questionar autoridade cega e injustiça. Há uma fala no filme direcionada a Matilda por adultos ridículos que se acham donos da verdade que é “eu sou esperto, você é burra; eu sou grande, você é pequena; eu estou certo, você está errada, e não tem nada que você possa fazer a respeito disso”. Ela ilustra bem a falta de habilidade de argumentação dos estúpidos que oprimem as crianças por duvidar da capacidade delas. Não há tentativa de ponderar e analisar a situação, não há iniciativa de pensar sobre certo e errado, há apenas birra, transformando-os naquilo que eles tanto criticam e pegando seu desprezo pela sua hipocrisia.

“Matilda” é um filme infantil essencial para seu público-alvo, com elementos sádicos apresentados de forma imaginativa e lúdica e um ótimo uso das caricaturas adultas. Some isso a uma protagonista mirim incrível que é Mara Wilson, carismática e adorável ao apresentar pontos de vista infantis e adultos, e temos um ótimo filme para todas as idades.

Bruno Passos
@passosnerds

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