Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 31 de agosto de 2019

Caninos Brancos (2018): natureza selvagem

Adaptação do romance clássico de Jack London ganha pontos pela bela animação, mas escorrega num roteiro descompassado.

Em 1906, o escritor Jack London lançou um dos livros mais famosos da história da literatura americana, contando a história de um canino nascido do cruzamento entre cão e lobo, sua vida no território Yukon (perto do Alasca) e suas relações com humanos de diferentes origens, etnias e índoles. Com inúmeras adaptações cinematográficas ao longo dos anos, chega ao Brasil pela Netflix uma animação francesa que adapta o romance que tem como título o nome de seu protagonista, “Caninos Brancos”.

É um belo trabalho de animação. As paisagens naturais são exploradas a fundo e o retrato da luz natural em tão vasta natureza em diferentes estações do ano é de encher o coração com um sentimento de beleza e maravilha. Dirigido por Alexandre Espigares, vencedor do Oscar de melhor curta de animação “Mr. Hublot”, o longa pega uma boa parte de seu primeiro ato para trabalhar com imagem e silêncio, sem personagens humanos. É um bom exercício narrativo que conecta o espectador com o protagonista, adorável como qualquer filhote canino e com animais com movimentações fluídas e orgânicas.

É uma pena que visual tão bonito e singelo seja ofuscado por um roteiro raso e apressado, principalmente ao apresentar os personagens humanos. Do líder da tribo indígena que ajuda a criar Caninos Brancos, passando pelo vilanesco antagonista que quer o animal para lutar em rinhas e chegando ao policial bonzinho, é tudo maniqueísta demais, privando as pessoas do filme de terem qualquer tipo de verossimilhança com a realidade. São desinteressantes e enfadonhos.

O ritmo não ajuda, sendo desnecessariamente arrastado em alguns pontos e altamente acelerado em outros. O roteiro parece bastante perdido, sabendo o início e o fim dos arcos narrativos, mas sem a mínima criatividade para preencher as jornadas em si. Os diálogos pouco rendem e culminam num terceiro ato que deveria emocionar, mas acaba entediando ao privar o público de realmente se conectar com as experiências do protagonista. Ele passa por traumas e mudanças profundos, mas supera tudo com tamanha facilidade que acaba por jogar o peso emocional da sua trama no lixo.

Tal afobação em chegar às conclusões necessárias talvez se deva à curta duração do filme, que tem uma hora e vinte e cinco minutos. Há também um ritmo de fala inconsistente e duro. A animação das faces humanas não tem variações suficientes e as vozes parecem demasiadamente lentas. O filme funciona bem melhor no primeiro ato sem humanos ou diálogos.

Tendo como pano de fundo a corrida do ouro da região no final do século XIX e a expansão do homem branco em territórios nativos indígenas, o roteiro tinha inúmeras oportunidades de usar a trama principal para também relatar a sociedade da época, mas ela só fica na representação visual, que é certeira e competente, mas pouco diz sobre as relações interpessoais e socioculturais do local.

Apesar das falhas, “Caninos Brancos” ainda se prova uma sessão divertida. Aqueles que se conectam facilmente com histórias com cachorros terão maior facilidade para gostar do filme, que se tropeça em entregar um texto de qualidade, acerta em cheio na bela animação de encher os olhos.

Bruno Passos
@passosnerds

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