Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 29 de agosto de 2019

Minha Lua de Mel Polonesa (2018): busca pelas origens

Apesar das atuações exageradas, esta comédia dramática consegue abordar os traumas dos filhos e netos de judeus de maneira respeitosa e comovente.

Em sua estreia na direção, a atriz francesa Élise Otzenberger curiosamente opta por tratar do legado traumático do Holocausto por meio de uma abordagem pouco convencional, através do viés da comédia. Ambientada quase que inteiramente na Polônia, cuja invasão do exército nazista ocasionou o extermínio de aproximadamente dois milhões e novecentos mil habitantes judeus, a dramédia francesa “Minha Lua de Mel Polonesa” sabiamente direciona seu foco narrativo nas atrapalhadas relações interpessoais de seus personagens, ao invés de se ater ao pavoroso e factual genocídio ocorrido neste trágico cenário.

Na trama, Anna (Judith Chemla) e Adam (Arthur Igual), um jovem casal parisiense, ambos com origem judaica polonesa, viajam pela primeira vez para a Polônia com o objetivo de participarem de um memorial de setenta e cinco anos da antiga e já extinta comunidade do avô de Adam. Se por um lado seu marido não parece muito animado com a viagem, por outro Anna está eufórica e anseia a todo custo descobrir detalhes a respeito de sua já falecida avó materna, cuja história de vida nunca lhe foi revelada por sua mãe. A jovem parte então em uma jornada cheia de perrengues e surpresas em busca de suas verdadeiras origens.

O enorme contraste entre o entusiasmo de Anna e o completo desinteresse de Adam em desbravar o país, consequentemente, rendem cenas engraçadas. No entanto, na maior parte do tempo o público irá se deparar com constantes e prolongadas discussões de casal. Por vezes durante as brigas iremos repudiar o comportamento controlador e histérico da esposa, em outras tantas nos revoltaremos com a indiferença e egoísmo do apático marido. Porém, se em momentos como esses a veia cômica deixa a desejar, a mesma crítica não se aplica aos elementos dramáticos presentes no filme, todos devidamente bem empregados e sensíveis o bastante para comover sem soar piegas ou apelativos.

Embora haja entrega por parte do elenco, as atuações são um tanto quanto overacting, principalmente a da atriz Judith Chemla que na falta de um olhar mais apurado por parte da direção compõe uma protagonista simplesmente irritante demais para sentirmos empatia, apesar de compreendermos sua justificável frustração. Essa característica pode ser percebida na cena do restaurante em que, após se embriagar, nota a ausência de carne em seu prato de borscht dando um verdadeiro chilique na sequência. Constrangido, Adam prontamente a carrega para fora do estabelecimento. Se a princípio, tal cena tem como principal intuito demonstrar a gradual descaracterização da cultura judaica na Polônia dos dias atuais, infelizmente, a mensagem se confunde em função de sua condução e desfecho que parecem reforçar ainda mais o estereótipo da personagem.

Ciente de suas restrições orçamentárias, o roteiro de Otzenberger em parceria com Mathias Gavarry (“Volontaire”), apesar de cometer certos excessos e conter alguns personagens sem desenvolvimento e deslocados na trama, é eficiente em criar situações realmente memoráveis capazes de divertir e emocionar o público. Como a sutil e recorrente piada das botas extravagantes de Anna, que parece não perceber o quanto destoa na multidão com elas, ou no trecho em que um rabino se põe a cantar em meio a um cemitério judaico em ruínas – mesmo belo o som nos faz lembrar das inúmeras vidas perdidas durante o extermínio. Em meio a erros e acertos, o enredo encontra o seu tom quando se propõe a discutir o seu real assunto de interesse, as relações humanas e as raízes culturais. Todo o restante está na trama apenas para cobrir lacunas e garantir mais tempo de tela.

Longe de soar pretensioso, este filme entrega um tipo de humor de situação que, quando não tão exagerado, consegue divertir mesmo tendo como pano de fundo o profundo trauma deixado pelo Holocausto. Bastante sensível ao tema, jamais desrespeita as vítimas ou a sua cultura. Em um sentido oposto, homenageia as tradições judaicas enquanto sutilmente relembra ao público dos pavores despertados pela ascensão de líderes extremistas e tiranos. Dito isto, não espere uma obra panfletária, o cerne desta história encontra-se essencialmente nas relações humanas e principalmente na busca pelas origens. Mesmo imperfeita vale a pena ser conferida.

Alan Fernandes
@alanfdes

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