Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 18 de agosto de 2019

Beirute (Netflix, 2018): retrocesso da guerra

Em meio a destroços da guerra civil, Jon Hamm é protagonista de thriller político com foco na investigação e na omissão de culpa.

Colônia francesa durante a Segunda Guerra Mundial, Beirute, capital do Líbano, manteve as tradições culturais do país europeu mesmo após a retirada das tropas em 1946. Anteriormente conhecida como “A Paris do Oriente Médio”, a cidade se transformou com o passar dos anos. Entre 1975 e 1990, o Líbano passou por uma guerra civil. Foram diversos pontos de enfrentamento, com milícias regidas por interesses territoriais, indústria armamentista e imposições de interesses religiosos. A partir deste cenário, “Beirute”, filme distribuído no Brasil pela Netflix, inicia sua história em 1972, pouco antes do início desses conflitos.

Mason Skiles (Jon Hamm, da série “Mad Men”) é o chefe adjunto de missão. Com grande experiência como diplomata e negociador, é um especialista em estudos árabes e em Oriente Médio. Após um ataque a sua residência, seu filho Karim, que é adotado e irmão de um famoso terrorista, é sequestrado e sua esposa morre após uma intensa troca de tiros. Dez anos depois, morando nos Estados Unidos, Skiles é contatado para retornar a Beirute para negociar a liberdade de Cal Riley (Mark Pellegrino, da série “Supernatural”), espião americano e antigo parceiro de trabalho que foi sequestrado. Em plena guerra civil, a cidade é completamente outra: ataques diários com carros-bomba, prédios desmoronados, territórios divididos pelas milícias. A vista do hotel, que antes era direcionada para a praia, agora tem escombros por todos os ângulos.

A direção de Brad Anderson (da série “The Sinner”) dispõe a degradação da região para demonstrar a atmosfera pesada da obra. A destruição também é uma importante base para o diretor de fotografia Björn Charpentier, utilizando os destroços como cenários sombrios para aumentar a tensão e o nível de violência da qual as pessoas estão à mercê. Crianças na praia brincando ao lado de tanques de guerra representam com precisão a situação das pessoas que precisam conviver com o conflito, que causou mais de 50 mil mortes.

Com o auxílio de Sandy Crowder (Rosamund Pike, de “Garota Exemplar”), uma espiã da CIA que tem conhecimento de campo sobre o atual cenário das milícias de Beirute, o negociador precisa criar um plano para libertar Cal. Hamm interpreta sempre com introspecção, escondendo os problemas enquanto precisa lidar com a situação urgente. Escrito por Tony Gilroy (da trilogia “Bourne”), o roteiro é cuidadoso para apresentar o cenário de guerra civil em meio a diálogos inteligentes. Como o filme deixa de lado a ação, o texto de Gilroy com foco na investigação faz a diferença.

Ao perguntar quem realizou um ataque específico de carro-bomba, Skiles recebe a resposta “depende de quem pergunta”. A Organização para a Libertação da Palestina (OLP) diz que foi a milícia Amal, que culpa a milícia cristã, que responsabiliza os drusos, que apontam para o Exército Sírio. A rádio de Damasco acha que são os israelenses tentando cruzar a fronteira e os israelenses completam o loop citando a OLP. É um ciclo de mortes em que os assassinos disputam para ocultar a culpa. Em meio aos interesses e os jogos de poderes entre a Casa Branca e Tel Aviv, temos um thriller político pronto para seu roteirista brilhar.

Com a demonstração do caos iminente, Anderson cria uma correlação entre seu protagonista e Beirute. A cidade, afinal, é um espelho moral para a identidade do seu protagonista: quebrado em busca da sua reconstrução.

Fábio Rossini
@FabioRossinii

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