Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 05 de setembro de 2019

Asterix e o Segredo da Poção Mágica (2018): caracterização imperfeita

Os personagens criados por Albert Uderzo e René Goscinny chegam às telas numa animação 3D competente e ótimo teor humorístico, mas peca na adaptação ao ignorar o espelho político-social do material original.

Após o lançamento do primeiro filme em animação 3D da franquia – “Asterix e o Domínio dos Deuses” – em 2014, um novo longa chegou no mesmo estilo alguns anos depois, trazendo de volta os adoráveis gauleses que compõem a única aldeia que ainda resiste ao domínio do Império Romano. Com destaque para o druida Panoramix (Bernard Alane), “Asterix e o Segredo da Poção Mágica” é contextualmente pobre, mas ainda assim divertido.

Apesar dos personagens serem baseados na obra de Albert Uderzo e René Goscinny, este longa não é uma adaptação direta de nenhum volume específico dos quadrinhos, tendo um roteiro totalmente inédito desenvolvido por Alexandre Astier e Louis Clichy, que também assinam a direção deste e do filme de 2014. Aqui eles trazem a Gália dos gibis à vida com muita precisão num ambiente lúdico e com cores realçadas e um traço que adapta com eficácia o original para a animação 3D.

A aventura começa quando Panoramix, ao salvar um filhote de pássaro, acaba caindo de uma árvore. Tomando esse fato como indício de seu declínio como druida, ele passa a vislumbrar uma aposentadoria forçada e decide partir numa missão para encontrar seu sucessor, alguém digno de receber o segredo da poção mágica – o famoso elixir que concede habilidades sobre-humanas – que sempre preparou para os aldeões. A jornada transforma o filme num road movie, mas sem as maiores qualidades do gênero: não há grandes aprendizados e/ou transformações dos envolvidos, tornando a missão uma desculpa para cenas humorísticas.

Felizmente, a comédia não apenas funciona, como respeita o espírito da obra original, caracterizando corretamente os personagens clássicos que parecem vivos na tela. Com o bem-vindo adendo da voz de Christian Clavier, que interpretou Asterix nas adaptações live-action da franquia durante a transição do milênio, o protagonista-título ganha importância com o cuidado em se manter a voz de quem o trouxe a vida com tanta eficiência. Os diálogos são sagazes, e o timing cômico, impecável.

Entretanto, o roteiro é desprovido de qualquer tipo da referência social, cultural ou política relacionada à França, o que sempre foi uma característica da franquia. Ao invés disso, há apenas comédia com referências à cultura pop, como as gags visuais ao ritmo da música “You Spin Me Round”, além de muito humor pastelão. É um filme engraçado, com boas piadas, personagens maravilhosamente divertidos e ótimo ritmo, mas raso e trivial ao desperdiçar as chances de trazer um contexto mais maduro.

Há um novo antagonista que toma boa parte da trama chamado Sulfurix. Com a voz de Daniel Mesguich, ele aparece como um rival de Panoramix. É uma pena que acaba não se tornando um personagem marcante, mesmo trazendo momentos em que questiona certas tradições druidas que poderiam levar a uma abordagem mais desafiadora para o mago. São questões mais profundas que acabam desperdiçadas e deixadas de lado para que o roteiro foque apenas no fato de ser necessário derrotar o vilão poderoso da vez. Porém, não se engane, os romanos estão lá na sua eterna missão de tentar derrotar a última vila gaulesa, resultando em ótimas cenas cômicas.

Engraçado e aventuresco, “Asterix e o Segredo da Poção Mágica” não falha em divertir com seus diálogos bem sacados e ótima química entre os personagens. Apesar de ficar aquém no quesito político-social pelo qual a franquia costuma se sobressair, é um filme que traz sua dose de magia e entretenimento para o público.

Bruno Passos
@passosnerds

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