Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 16 de agosto de 2019

Screwball – Doping no Baseball (2018): ridicularização da imagem

O escândalo de doping de vários jogadores de beisebol da MLB em 2013 pode até ser uma história absurda, mas sua ridicularização é tão exagerada que acaba contaminando o próprio documentário.

A idolatria da imagem é um traço muito presente na cultura norte-americana, verificada na grande preocupação de homens e mulheres em modelar o corpo de forma escultural. A busca pelo corpo perfeito chega a níveis caricaturais quando o uso de bronzeamento artificial e substâncias anabolizantes sai da área estética e chega ao campo jurídico. Essa questão está em “Screwball – Doping no Baseball“, obra disponível na Netflix que retrata o escândalo de doping entre os atletas de beisebol em 2013 por influência do médico não licenciado Tony Bosch. O documentário escolhe o caminho da comédia para comentar os absurdos do caso, porém perde o timing do gênero amadoristicamente.

A controvérsia em torno da ingestão de esteroides para a melhoria da performance esportiva e dos seus desdobramentos é representada pela trajetória de Tony Bosch. Ele é um médico, de origem cubana, que se formou fora dos EUA e passou a trabalhar em Miami, primeiramente com técnicas de antienvelhecimento. Por ter dificuldade em clinicar sem licença, o sujeito entra no universo da venda de substâncias ilícitas para pessoas variadas interessadas no rápido desenvolvimento corporal. Quando passa a atender atletas, Tony Bosch penetra em um mundo criminoso que desencadeia sérios problemas para todos os envolvidos.

O filme não esconde seu posicionamento em relação aos personagens reais e às suas ações. A maioria dos indivíduos é patética e age incompreensivelmente como se não pudesse antever os fracassos evidentes que cometem, algo que o roteiro escancara através das entrevistas e das intervenções do diretor Billy Corben (“Dawg Fight“). Tony Bosch é um vigarista que se formou por meios duvidosos no Belize, não conseguiu licença nos EUA, trabalha como se não houvesse nenhum problema e justifica suas atividades criminosas como se não fosse algo grave. Porter Fischer é um cliente especializado em se bronzear, que tenta fazer marketing para a clínica Biogenesis e não percebe a tolice crescente de suas atitudes que envolve até a polícia e a justiça. Completando os personagens principais, os ajudantes de Tony são traficantes seguranças que fingem ser criminosos experientes, mas não passam de figuras ignorantes. Além disso, o cineasta também pontua através das falas de jornalistas e de inserções visuais como aquelas pessoas são estúpidas e burras.

A partir da descoberta da comercialização dos anabolizantes pela imprensa e pelas autoridades, o roteiro explora ainda mais a insensatez da história. A investigação policial é marcada por relações promíscuas entre testemunhas e investigadores, perda de provas de forma esdrúxula, influência nociva da MLB (principal liga de beisebol dos EUA) no caso visando à sua própria proteção e pelos depoimentos que revelam os erros infantis cometidos por figuras anônimas ou famosas. A contextualização e o desenvolvimento dos eventos, entretanto, não progride como poderia, principalmente nos primeiros minutos, quando a narrativa atropela diversas informações diferentes em pouco tempo e sem organização. O início do trabalho de Tony como médico, o interesse dele pelo beisebol, sua jornada de técnico de reposição hormonal para negociante de substâncias para melhoria de performance, a presença muito grande de imigrantes latinos no esporte e o culto obsessivo pelo corpo são alguns dos vários pontos citados apressadamente. A montagem falha no encadeamento dos relatos dos personagens comprometidos com o incidente, de jornalistas ou autoridades e das imagens de arquivo por transitar de um pra outro abruptamente.

Tratar os personagens e o enredo pelo viés da comédia, contudo, não exigiria que o documentário também se comportasse como algo cartunesco e infantilizado. O maior pecado é a dramatização dos fatos polêmicos através de atuações de crianças, que simulam o que aconteceu vestidos e caracterizados como os personagens reais que dão vida e dublando suas falas – essa opção somente é explicada no terceiro ato com razões muito frágeis e simplistas, assim como também cria imagens absolutamente estranhíssimas de crianças de tatuagem, peruca grisalha e agindo como adultos. Para piorar, as cenas dramatizadas ainda recebem uma trilha sonora engraçadinha que soa igualmente infantil. O problema é tão severo que a apresentação dos entrevistados emoldurados por uma figurinha de beisebol, com o perfil no verso e pontuada por uma trilha sonora composta por aplausos não se configura como o acerto que poderia ser, sendo ofuscado e logo descartado pela produção.

Acima de tudo, o estilo do documentário se distancia bastante de uma narrativa cinematográfica e se assemelha muito mais a uma matéria investigativa especial saída de um programa televisivo. Nesse sentido, o discurso do filme se revela muito pobre e incapaz de trabalhar as possibilidades do cinema como base para o desenvolvimento da história contada. Exemplo claro dessa deficiência é o uso redundante de imagens para ilustrar o que está sendo dito, desde a necessidade constante de mostrar todos os ambientes referidos em planos de estabelecimento dos cenários e de apresentar diálogos antigos dos personagens. Portanto, as imagens são menosprezadas e relegadas ao papel limitador de submissão ao texto.

Apesar de “Screwball – Doping no Baseball” se debruçar sobre um tema pulsante nos EUA e em outros países, o tratamento dado a ele fica léguas de distância de seu valor. Ocasionalmente, a narrativa exibe como o culto ao corpo está espalhado nas mais diversas esferas sociais, chegando ao público comum de esportes e aos políticos. Continuamente, entretanto, o que predomina no documentário é a tentativa de fazer comédia e o consequente fracasso. É a tentativa de ridicularizar apenas o que está sendo contado e ser avacalhado junto no processo. Um documentário de viés cômico que é alvo da própria piada mal contada.

Ygor Pires
@YgorPiresM

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