Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 03 de agosto de 2019

Praça Pública (2018): crônicas de burgueses franceses

A definição do estereotipado filme francês: com foco na trajetória, ritmo lento e crítica social, além de política, com um toque de sarcasmo.

Na pólis grega existiam as ágoras, que eram praças públicas onde as assembleias ocorriam e os gregos podiam debater sobre temas ligados à justiça, obras públicas, leis, cultura, etc. Nessa dinâmica que ocorre “Praça Pública”, mas de forma mais banal e no século XXI em um castelo na França rural à “35 minutos de Paris, em linha reta”, como ironiza a personagem Hélène (Agnès Jaoui, “Cinquenta Primaveras”), que também é a roteirista e diretora do filme.

O início começa pelo fim com uma sequência confusa a princípio: uma música feliz e agradável (brasileira, muito popular) que se contrasta com a imagem agressiva, de forma irônica. Ela só faz sentido quando o filme acaba. A história se passa toda a partir de um evento: o open house de Nathalie (Léa Drucker, “O Quarto Azul”), durante uma tarde e uma noite se reúnem diversas pessoas de “tribos” diferentes, nas quais se observa uma espécie de embate à la povo (representado pelos músicos, garçons e vizinhos) versus a burguesia, que são os astros e amigos da anfitriã.

A partir desse encontro de diferenças que a trama começa. Castro (Jean-Pierre Bacri, “Assim é a Vida”) é um tradicional apresentador de um programa de televisão, carrancudo, metido e egocêntrico. Ele está indo para a festa de Natalie com o seu chofer (Kévin Azaïs, “Juventude”) enquanto controla a localização de sua atual esposa Vanessa (Héléna Noguerra, “Hotel Normandy”), através de um aplicativo. Lá, ele se depara com a ex, Hélène, que ao contrário dele é extrovertida, simpática e voltada para causas sociais. Também encontra a filha Nina (Nina Meurisse, “Eu, Soldado”), que escreveu um livro onde um dos personagens é inspirado nele e mostra seus defeitos e faltas como pai. Durante o dia todo ele não faz questão de esconder seu desagrado e mal-humor e entra em conflito com vários dos convidados.

Como o roteiro é composto por pequenas crônicas, cada figura tem seus próprios dramas, mas todos estão ligados e no mesmo ambiente, são protagonistas da sua própria história. Eles a todos os momentos são confrontados e têm que enfrentar seus problemas de personalidade e caráter. Há várias temáticas abordadas, como a hipocrisia (o próprio estrangeiro sérvio é xenofóbico), a futilidade da vida dos mais abastados, como cada um lida com o envelhecimento, a passagem do tempo e a utopia. Existe um alívio cômico que se dá pela garçonete Samantha (Sarah Suco, “Discount”), sempre sendo chamada a atenção por não estar trabalhando. Ela está sempre tirando fotos ou ficando de “papo” com os convidados, que acaba se tornando repetitivo e caricato.

Na direção de fotografia a câmera passeia, tem uma movimentação naturalista e funciona como um personagem-espectador, às vezes se torna a do celular dos próprios personagens. Durante os diálogos, rompe com a ideia de plano e contraplano, optando por uma sequência em que ora foca mais em um personagem, ora em outro, dando um aspecto quase que documental. Ela também é usada como artifício para dar destaque à riqueza e aos ambientes, que são sempre muito iluminados e ressalta as cores da paisagem.

A direção de arte poderia ser descrita como um Rococó (estilo artístico francês do século XVIII que refletia os valores da sociedade, que por sua vez era fútil e buscava nas obras de arte algo que lhe desse prazer e a levasse a esquecer de seus problemas reais) contemporâneo. Todas as cenas têm muito verde, flores coloridas, tecidos nobres, esculturas, mármores, arabescos e abóbadas.

Apesar de possuir diversas qualidades fílmicas, essas percepções vêm depois de um longo momento de reflexão, ou mesmo depois de ser visto uma segunda vez. É um filme difícil de assistir devido seu ritmo devagar e seus vários detalhes e sutilezas, por isso, deve-se prestar muita atenção, estar de mente aberta e não levar nada para o lado pessoal, afinal, nessa obra todos são criticados e ninguém é perdoado.

Maduda Freitas
@MadudaFreitas

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