Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 12 de agosto de 2019

Falcons em Jogo (Netflix, 2018): nem um pouco divertido

Narrativa falha ao tentar misturar comédia e terror em uma trama mal pensada e executada.

Vários filmes já tentaram, com êxito, tratar a figura feminina em pé de igualdade com a masculina. Alguns que podem vir em mente quando pensamos no assunto podem ser “Kill Bill”, “Mulher Maravilha”, “A Criada”, entre vários outros. Felizmente, quanto mais o tempo passa, mais exemplos positivos temos. O francês “Falcons em Jogo”, distribuído no Brasil pela Netflix, embora tenha o mesmo objetivo, não consegue entrar na categoria de sucessos. Nele acompanhamos uma equipe de vôlei feminino com sete integrantes e seu treinador. Quando sua minivan quebra no meio de uma floresta enquanto tentavam voltar para casa após uma competição, o time se encontra nas mãos de psicopatas que farão de tudo para aprisioná-las e matá-las.

A proposta do filme é ser uma comédia ácida, misturada com muito gore. Filmes como “Fargo”, “Os Oito Odiados”, “Todo Mundo Quase Morto”, por exemplo, já provaram que o subgênero dá certo e vai muito bem quando executado da maneira correta. Não é uma tarefa fácil misturar ambos elementos numa narrativa coerente, e os roteiristas Olivier Afonso, que também é diretor e estreante nas duas áreas, e Jean-Luc Cano (roteirista do jogo “Life is Strange”), claramente tiveram dificuldades na hora de fazer essa mistura funcionar.

O objetivo do filme é ser caricato, porém, se não fosse pelo gore, ele poderia ser facilmente confundido com um filme feito para o público infantil estrelado por adultos. Tudo que não envolve sua parte de “terror” lembra um longa mal produzido direcionado para crianças: os diálogos forçados, personagens adultos que agem e falam como crianças, os vilões extremamente ridículos, a maioria das situações nas quais os personagens se encontram e até mesmo a trilha e efeitos sonoros, que às vezes remetem a desenhos animados (e não é nenhum demérito às animações, porém os estilos simplesmente não combinam).

Desde os primeiros minutos, os diálogos não convencem. Tanto as jogadoras quanto o treinador são colocados no lugar comum de como os roteiristas e diretor acham que homens e mulheres agem, e suas interações não são cativantes. A narrativa, no seu início, deixa claro que elas não trabalham bem como um time. As situações em que se encontram quando começam a ser perseguidas fazem com que seus conflitos sejam acentuados, pois todas precisam de fato trabalhar juntas para sobreviver. Algumas dessas situações são interessantes e poderiam ter sido melhor exploradas, talvez num formato mais sério ou nas mãos de profissionais mais experientes e que soubessem trabalhar melhor o tom da obra.

Outro ponto que afunda ainda mais a mensagem de “girl power” que o filme parece estar tentando transmitir é como as personagens são sexualizadas de maneira totalmente desnecessária. Isso só diminui o mérito das escolhas de planos para algumas cenas, algo parecido com o que os filmes “As Panteras” fizeram no começo dos anos 2000. Por conta dessas escolhas, ele acaba passando uma mensagem que se assemelha a de que “você pode ser uma mulher forte, desde que também seja sexy”. Não tem nada de errado em mostrar mulheres sendo sensuais em filmes, mas aqui é algo totalmente dispensável que não acrescenta nada à obra. Já passou da hora dos estúdios perceberem a diferença.

As personagens principais são mal construídas, não causam empatia no público e nenhuma atuação se destaca de forma positiva. Normalmente isso acontece em filmes do gênero para deixar as mortes mais interessantes, para que a audiência não se apegue a ninguém quando obviamente a maioria vai morrer durante o filme. Com o tempo curto de menos de 80 minutos, não é surpresa que essa tenha sido a rota que o filme decidiu seguir. “Falcons em Jogo” também não traz nada de interessante ou inovador do ponto de vista técnico, com cinematografia, direção, trilha sonora, entre outros, partindo de lugares comuns já muito conhecidos pelos espectadores.

Além de tudo isso, partes inteiras da trama são idênticas ao clássico de terror “O Massacre da Serra Elétrica”. Se fosse apenas uma referência à obra em uma cena, poderia passar batido ou ser reconhecida apenas como uma homenagem, porém quando as reviravoltas principais são totalmente baseadas no filme de 1974 fica difícil de relevar. O tom de comédia do filme também não ajuda na interpretação disso apenas como um tributo, ficando mais próximo do que a franquia “Todo Mundo em Pânico” fazia com os filmes que satirizavam. O ritmo nesses pontos da narrativa é totalmente desconexo.

Com psicopatas e personagens principais sem motivação bem explicada, um “narrador” desnecessário e nada de memorável para ser lembrado, “Falcons em Jogo” é o tipo de filme que provavelmente será esquecido no meio de tantas indicações da Netflix para seus usuários. E com bom motivo.

Lívia Almeida
@livvvalmeida

Compartilhe