Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 01 de agosto de 2019

Memórias da Dor (2017): fantasmas do presente

Drama se utiliza da triste espera da escritora Marguerite Duras para contar um relato conceitual.

Por muito tempo o cinema usou histórias pessoais para retratar a guerra. Era possível se apegar aos personagens, mas eles eram apenas um artifício para o show de explosões, corpos mutilados e críticas sociais aos conflitos. Hoje é feito o caminho inverso, já que temos o cenário da guerra sendo usado como pano de fundo de histórias muitas vezes escondidas, que ainda não ganharam o grande público. É o caso da escritora Marguerite Duras (Mélanie Thierry, “Missão Babilônia”), que após ter o marido preso (o também escritor Robert Antelme) por fazer parte de uma rede de resistência, aguarda ansiosamente para saber onde ele se encontra e como está sendo tratado. Assim, a figura do marido permeia toda a produção, por mais que raramente apareça, dando um ar de drama psicológico a este “Memórias da Dor”.

O futuro é incerto, e numa narrativa poética o diretor Emmanuel Finkiel (“Não Sou um Canalha”), traz uma França ocupada e assolada pelo nazismo refletido nas ruas, na fotografia acinzentada e numa câmera observadora, como se a protagonista e os que a cercam estivessem fazendo algo errado, e de fato estão. Marguerite se encontra às escondidas com um dos oficias nazistas, Pierre Rabier (Benoit Magimel, “De Cabeça Erguida”), que lhe dá informações em troca de sua companhia, afinal ele tem grande apreço por ela. A luta por notícias, a narração em off e as memórias da personagem deixam tudo mais intimista, como se acompanhássemos quase que literalmente, uma carta sendo lida.

O texto do próprio Finkel, baseado no romance “A Dor” (“La Douleur”) de Duras, é auxiliado por imagens desconexas, que fazem um paralelo da França daquela época com o drama de Marguerite. Muitas vezes a personagem se vê fazendo as mesmas coisas, denotando a passagem do tempo e a solidão, tornando-a anestesiada, à medida que a falta de notícias a derruba. O fim da guerra gera esperança, logo quebrada pela analogia de Paris estar livre, mas o marido não, e é exatamente onde a trama encontra o seu maior problema: a falta de ritmo.

Na segunda metade, a inclusão de novas vítimas da guerra deseja mostrar a protagonista destruída, tentando cuidar de pessoas igualmente quebradas. Porém, toda a empatia (por vezes apática) já era mais do que suficiente graças à poderosa atuação de Mélanie. Tal mudança de perspectiva acaba por atrapalhar a sensação de estar sozinha em meio a tantas pessoas. A perda da sanidade faz com que ela duvide da existência do próprio marido, e sua fragilidade aos poucos dá lugar a uma força arrebatadora, provinda da vontade de salvá-lo, sem saber se ele está vivo ou não.

Antelme é o que move Marguerite, e quando as coisas começam a se findar, parece não existir mais propósito. As “Memórias da Dor” se tornam fantasmas do presente, devido a uma longa e angustiante espera que parece não ter fim. Transpondo a mente da escritora para as telas, a direção psicológica pode ser propositalmente confusa, fazendo com que a intrigante e por vezes enfadonha história, ganhe contornos de um cinema experimental de guerra, mas no caso, uma guerra interna.

Tiago Soares
@rapadura

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