Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 29 de julho de 2019

Em Busca da Felicidade (Prime Video, 2019): sentido fora do cinema

Dez anos após a separação dos Jonas Brothers, o documentário disponibilizado pela Amazon Prime Video tem mais valor para os fãs do que para o cinema.

Em 2005, o cenário musical teen passou a ter mais uma banda popular para o público adolescente e jovem adulto: os Jonas Brothers. Nick, Joe e Kevin, desse ano em diante, se tornaram astros pop fazendo shows para legiões de fãs pelo mundo e tendo suas vidas completamente mudadas. Em 2009, o trio se desfez e cada um trilhou seu próprio caminho, dentro da música ou não, para desagrado de seus seguidores incapazes de saber exatamente o que havia motivado a separação. Já em 2019, o grupo retorna lançando um novo álbum e protagonizando o documentário “Em Busca da Felicidade” pela Amazon Prime Video, interessado muito mais em ser um registro dedicado aos fãs do que propriamente um filme com algo a expressar artisticamente.

A estrutura clássica de filmes sobre bandas está presente: vindos de uma origem humilde como filhos de um pastor em Nova Jersey, os irmãos passam por um ascensão meteórica à fama ainda muito jovens. A ligação entre eles era muito forte desde a mais tenra idade, até que a separação surpreende o público e atinge Nick, Joe e Kevin de forma dolorosa, os fazendo seguir caminhos diferentes. A narrativa acompanha os vídeos caseiros ou imagens televisivas de época para mostrar a infância do trio, seu crescimento, a formação da banda e o sucesso crescente entrecortados por entrevistas recentes dos irmãos contando suas impressões sobre aquele tempo. Enquanto isso, eles se reencontram na atualidade, após algum tempo afastados, recordando e refletindo sobre o passado juntos. A jornada de surgimento, auge, crise e reconciliação é feita com um discreto vaivém temporal que explora, apenas esporadicamente, a interação atual deles frente às câmeras, justamente a parte mais interessante do filme.

Quando o roteiro se debruça sobre as origens dos Jonas Brothers, algumas questões perpassam sua trajetória: o desabrochar precoce dos talentos artísticos; a união profunda da família, em especial, dos irmãos; os primeiros shows, ainda pequenos; a chegada à primeira gravadora (Columbia Records); os problemas profissionais com a empresa; as dúvidas quanto à possibilidade de viver da música; e a fama elevada obtida após o contrato com a Disney. Nessa nova empresa, o mundo das celebridades e seus impactos sobre os artistas e os fãs são bem estabelecidos, através da exposição da escala maior dos shows, da penetração em outros ambientes, como a série “Camp Rock” e programas de variedades na TV, do deslumbramento frente ao carinho do público e dos primeiros interesses românticos.

Além dos acontecimentos dentro de sua jornada, são apresentados também conflitos variados ao longo do amadurecimento dos jovens. Alguns deles são bem inseridos, como a insatisfação com a imagem de bons moços puritanos atribuída a eles pela ligação com a Disney pelo trabalho do pai e os desencontros entre os irmãos quanto às perspectivas de futuro e aos anseios individuais em contraste com as necessidades do grupo. Outros são apontados pela narrativa e dispensados rapidamente sem grande influência para a história contada, como a diabetes de Nick e o sentimento de inadequação de Kevin – a montagem acerta em conseguir conectar as imagens caseiras e íntimas dos músicos e falha em não inserir bem as subtramas periféricas à trama central organicamente.

Outra deficiência é a insinuação feita pelo diretor estreante John Taylor de que desenvolverá separadamente cada um dos irmãos, reservando momentos para falar especificamente sobre cada um. Na prática, a ideia não se sustenta, já que a aplicação é tímida, irregular e pouco vinculada ao todo. Apressadamente, por exemplo, Joe é mostrado como o mais sensível de todos que sente bastante o fim do trio; Kevin, como aquele que sente dificuldades de se encaixar fora do ambiente musical; e Nick, com atitudes impulsivas e uma personalidade de liderança. Até o segundo ato, o roteiro é mais feliz em desenvolver a história de irmandade circulando sobre os três jovens. As trajetórias particulares (mesmo não revelando detalhes dos artistas) são mais bem sucedidas quando eles se separam e cada um segue seu próprio rumo, Joe e Nick experimentando novos estilos artísticos e Kevin priorizando o casamento e a paternidade.

Ainda assim, há potencialidade dramática extraída dos momentos atuais em que o diretor registra o reencontro deles, captando a intimidade de suas interações. A intenção é fazê-los rememorar seus períodos gloriosos e problemáticos e também repensar/refletir sobre o que viveram, uma escolha acertada para dar alguma personalidade ao documentário. Enquanto repete as conhecidas batidas narrativas dos filmes musicais, a produção não tem nada muito especial a dizer. Algumas cenas podem parecer encenadas sem naturalidade, como as conversas da abertura, porém o “acerto de contas” em um jogo de bebidas é um ponto da confrontação dos ressentimentos e arrependimentos passados e da reconciliação entre eles.

Quando “Em Busca da Felicidade” atinge o ano de 2019, Nick, Joe e Kevin se reaproximam e reorganizam o Jonas Brothers, após terem atravessado suas próprias jornadas de autoconhecimento. O documentário esbarra na questão da irmandade, assim como em outras, mas não chega a transformá-la em seu tema porque falta substância para agregar além da simples conclusão de que eles são muito unidos e se amam. Não definindo seu propósito cinematográfico, o resultado final é somente uma varredura da vida dos três jovens para os fãs que querem conhecê-los mais um pouco.

Ygor Pires
@YgorPiresM

Compartilhe