Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 26 de agosto de 2019

Yesterday (2019): criatividade, romance e Beatles

O diretor Danny Boyle e o roteirista Richard Curtis usam a comédia romântica para apresentar como seria o mundo sem a influência do quarteto de Liverpool.

Três letras podem significar muita coisa para um roteirista: “e se?”. A proposta de ter uma carta branca para criar um mundo novo de acordo com regras estabelecidas pelo seu criador é muito rica para um contador de histórias. Baseado nessa proposta, “Yesterday”, novo filme do diretor Danny Boyle (“Quem Quer Ser um Milionário?”) e escrito por Richard Curtis (“Cavalo de Guerra“), introduz uma pergunta: “E se as pessoas esquecessem a existência dos Beatles?”. Neste caso, ainda existe mais uma questão: “E se apenas uma pessoa tivesse a lembrança de todas as composições da banda?”.

A trama conta a história de Jack Malik (Himesh Patel, da série “Damned”), um músico que ganha a vida com os salários de um trabalho em um supermercado e dos pequenos shows em bares e restaurantes. Com o auxílio de Ellie Appleton (Lily James, de “O Destino de uma Nação”), sua agente e melhor amiga, a carreira de Jack segue com apresentações no condado de Suffolk, na Inglaterra.  Ao retornar para casa após um show quase vazio em um festival, o músico é atropelado por um ônibus em meio a um apagão que aconteceu no mundo inteiro. O acidente serve como um ponto de transição para um universo alternativo.

Após sua recuperação, Jack ganha um violão novo dos seus amigos e começa a dedilhar uma música: “Yesterday”, composta por Paul McCartney, gravada em 1965 para o álbum “Help!”, dos Beatles. Ellie e seus amigos ficam maravilhados com a “inédita” música que acabaram de ouvir. Assim, Jack começa a entender que é o único músico do mundo que conhece as composições dos 13 álbuns feitos por John Lennon, Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr.

O filme tem uma assinatura muito mais voltada para a comédia romântica do roteirista do que para as características do próprio diretor. Curtis, que é o responsável por “Simplesmente Amor”, “Questão de Tempo” e “Quatro Casamentos e um Funeral”, escolhe manter a relação entre Jack e Ellie como o eixo principal da obra. Mesmo com um casal convincente, a previsibilidade do gênero ainda se faz presente. Boyle toma cuidado para que as músicas da banda de Liverpool fiquem muito bem encaixadas dentro do contexto de cada cena, sem o uso por puro fan service.

O diretor aproveita para relacionar que, apesar das músicas dos Beatles terem toda a sua importância na indústria musical, a recepção seria diferente na geração das redes sociais. É citada inclusive a influência do quarteto sobre as gerações futuras, como produtos, tipos musicais afetados e até o comportamento da mídia.

Patel não tenta em momento nenhum imitar o tom de voz de alguém – canta do seu jeito, tentando impor sua própria identidade em cada canção. A química com James é muito convincente e os dois carregam o filme nas costas com tranquilidade. Ellie tem uma personalidade forte, sem ficar em momento nenhum à mercê das necessidades de Jack.

A participação de Ed Sheeran serve como uma crítica à própria indústria e a sua maneira de lidar com a música, criticando a quantidade de composições que podem ter deixado de lado o seu real significado em troca de um refrão mais comercial, como o exemplo do próprio filme ao tentar forçar uma troca de “Hey Jude” por “Hey Dude”.

Yesterday” é mais do que uma homenagem à banda — não é preciso ser um fã para apreciar o filme, mas para quem é, aproveite para cantar junto “Let It Be”, “I Want to Hold Your Hand”, “Help!” e muitas outras. A obra é também uma comédia romântica muito bem executada, feita por quem conhece do gênero, e um belo exercício de criatividade.

Fábio Rossini
@FabioRossinii

Compartilhe