Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 25 de junho de 2019

Rock My Heart (Netflix, 2017): bom elenco faz filme funcionar

Filme sobre a amizade entre uma garota com problemas cardíacos, um cavalo e seu treinador é extremamente previsível e cheio de inconsistências, mas consegue transparecer real emoção com seu bom elenco.

Obra alemã de 2017 lançada na Netflix brasileira em junho de 2019, “Rock My Heart” conta a história de Jana, uma adolescente de 17 anos que convive com um defeito congênito cardíaco e sua profunda conexão com um cavalo que conhece após um desmaio por se aventurar em atividades físicas perigosas para ela. Esta é a premissa de um filme simples, óbvio e repleto de fragilidades, mas que deve atingir seu público-alvo de similar faixa etária com bastante êxito.

Jana (Lena Klenke, da série “Como Vender Drogas Online (Rápido)”) se recusa a aceitar que sua vida se resuma a momentos sem emoções fortes e/ou adrenalina, se revolta contra sua condição e tem brigas com os pais sobre como viver. O cavalo tem espírito similar ao da protagonista, ambos rebeldes e selvagens, e é daí que nasce a imediata simpatia entre os dois. Um elemento a mais que infelizmente se perde na tradução é que o animal empresta seu nome ao filme. “Rock My Heart” significa algo como “agite meu coração”, em tradução livre, o que empresta camadas de interpretações diferentes e relevantes não só para o arco narrativo de Jana, mas também para o de Paul (Dieter Hallervorden, “Mel na Cabeça”), dono e treinador do equino com esperanças de que ele vença a próxima corrida e resolva seus problemas financeiros.

Jana encontra no cavalo e nos treinos um motivo para viver, mas não conta a Paul sobre sua condição de saúde. Aqui o filme encontra algumas contradições, como mostrar uma mãe (Annette Frier, “Então, Vou Nessa!”) extremamente preocupada com a filha, mas que não procura se informar com detalhes sobre o novo “emprego” de Jana e o que ela faz lá. A jovem mente dizendo que apenas trabalha num estábulo, mas isso mesmo assim é bastante trabalho braçal, o que já deveria levantar alertas numa mãe sempre aflita.

Outra inconsistência é no amigo/interesse amoroso de Jana, Samy (Emilio Sakraya, “O Manicômio”), que tem um problema de saúde semelhante, mas esse elemento é bem mal-apresentado no filme, podendo confundir o espectador. Outro conflito que não vai bem é o de Paul com sua filha Sabine (Anneke Kim Sarnau, “O Jardineiro Fiel”), que nunca é explicado de maneira a criar a tensão e a expectativa necessárias para que sua conclusão tenha impacto.

O longa consegue acertar na atriz principal. Klenke deixa transparecer sua revolta com o mundo e com seu coração, convencendo como uma jovem teimosa e ousada. A cena em que ela revela o que sente quanto está com o cavalo rende um de seus melhores momentos. Hallevorden como Paul é ótimo como um carinhoso mentor, que precisa “domar” a rebeldia de Jana e, apesar de um roteiro raso neste quesito, deixa bem claro que os ensinamentos partem de genuíno carinho e afeição pela adolescente, e não porque ele precisa que ela vença para conseguir o dinheiro que necessita para pagar ao banco.

A direção de Hanno Olderdissen é convencional. Assim como o roteiro, é básico e sem surpresas, o que não quer dizer que seja ruim, mas apenas funcional. Há boas tomadas do belo cenário rural onde o filme se passa, mas nada fora do comum, resultando em sequências que mais conquistam pela beleza natural do lugar do que por uma direção criativa. A corrida de cavalos tem bom ritmo, mas a obviedade do longa tira qualquer tensão real do momento.

Bastante previsível e incoerente com alguns de seus ingredientes narrativos, mas com um elenco dedicado, “Rock My Heart” é prato cheio para jovens adolescentes. A boa dupla de protagonistas carrega bem um filme que, mesmo com todas as suas falhas, tem um espírito verdadeiro, resultando num longa que tem, veja só, coração.

Bruno Passos
@passosnerds

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