Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 19 de junho de 2019

Casal Improvável (2019): a exótica e agradável mistura entre romance e política

Roteiro bem articulado e dupla formada por Seth Rogen e Charlize Theron proporcionam agradável e divertida comédia romântica.

Tanto na vida real quanto na ficção, a política é um tema abordado comumente com bastante seriedade, caracterizada por uma áurea de sobriedade, de peso e com um tom dramático muito forte. Produções como “Tudo Pelo Poder” e a série “House of Cards” são alguns dos exemplos de como o tema é trabalhado com este viés, enquanto o indicado ao Oscar “Vice” já trata o assunto com outra possibilidade também popular, a sátira. A proposta de “Casal Improvável“, no entanto, é ter a política como pano de fundo de uma abordagem ainda mais incomum, e talvez por isso arriscada: a da comédia romântica.

Na trama, Fred Flarsky (Seth Rogen, “Steve Jobs”) é um jornalista compromissado com a verdade e que publica histórias negligenciadas pela grande mídia. Entretanto, quando o jornal no qual trabalha é comprado por uma das grandes corporações que ele ferrenhamente critica, Fred decide se demitir para manter, segundo ele, sua integridade moral. Enquanto tenta encontrar um novo emprego, ele vai a uma festa de gala na companhia de seu amigo Lance (O’Shea Jackson Jr., “Straight Outta Compton: A História do N.W.A.”) e lá encontra a Secretária de Defesa dos EUA, Charlotte Field (Charlize Theron, “Tully”), uma das mulheres mais poderosas do país e que planeja ser a primeira presidente mulher norte-americana. Apesar de terem vidas distintas agora, eles compartilham uma ligação passada. Charlotte trabalhou como babá de Fred quando ele tinha 13 anos. Ao saber que ele se tornou um jornalista, ela se interessa pelos textos de Fred e decide contratá-lo para que ele escreva seus discursos. Isso serve de ponto de partida para uma nova etapa no relacionamento dos dois.

Para funcionar, a obra decide apostar em dois pilares principais: o casal protagonista e o roteiro. O primeiro quesito apresenta uma dupla carismática de atores, conquistando o público com facilidade e que, sobretudo, apresentam uma boa química, convincente e natural. O timing cômico do casal está calibrado, e isso ajuda a dar a leveza necessária para a história. O gênero de comédia é a especialidade de Rogen, mas sua atuação traz algo de novo, menos repetitiva comparada aos seus trabalhos anteriores, muito em detrimento de ser um personagem que permite maior exploração de seu lado emocional. Já Theron se consolidou nos últimos anos como uma estrela de filmes de ação, mas ela mostra seu talento para o humor, provando ser capaz de ir muito além do arquétipo de durona associado a ela recentemente. A cena dela negociando a libertação de um soldado americano com o líder de uma nação estrangeira, enquanto está completamente chapada, é a prova máxima de sua versatilidade.

Já o roteiro, assinado por Dan Sterling (“A Entrevista”) e Liz Hannah (“The Post: A Guerra Secreta”), acerta justamente ao mesclar essa estrutura da comédia romântica em uma abordagem na qual ela raramente está inserida. O filme não tem o mesmo peso e seriedade das obras citadas no início do texto (e nem deveria ter), mas dá uma nova roupagem para um gênero já conhecido, e isso impacta na dinâmica do enredo. Evidentemente, o longa acaba trabalhando aspectos convencionais desse tipo de história, sobretudo na forma rápida como o relacionamento do casal se desenvolve em alguns momentos. Esse aspecto convencional é refletido principalmente na direção de Jonathan Levine (“Sexo, Drogas e Jingle Bells”), que conduz a produção de forma pouco inventiva e sem grandes riscos, mas também sem comprometer o resultado final. O convencional aqui não tem sinônimo de “ruim”, e a trama arranja outras formas de compensar isso.

A apresentação e o desenvolvimento das personalidades dos protagonistas são uma das saídas encontradas. Por mais íntegro que Fred considera ser, a história explora como essa rigidez dele em lidar com o que não está alinhado com suas ideias o prejudica, seja profissionalmente ou nas suas relações com os demais. Ao ponto de ele ser questionado por Lance, obrigando Fred a reavaliar sua postura e a maneira como ele deseja se relacionar com Charlotte.

Já no caso dela, há uma boa sacada do texto de retratar uma personagem feminina que tem a carreira profissional como prioridade e se esforça para alcançar seus objetivos. A obra também mostra que esse enfoque talvez não seja o mais saudável. Ela tem uma rotina de sono curta, um dia repleto de responsabilidades, deve se manter em forma com os exercícios e mal tem tempo para descansar ou ter algum tipo de lazer. Por outro lado, é uma chance de trabalhar uma mulher além da questão familiar ou de apenas romance. Com seu relacionamento com Fred evoluindo, ela percebe como estar ao lado dele pode torná-la ainda mais realizada, mas sem nunca abdicar suas ambições profissionais.

Com mais de duas horas de projeção, a produção é um pouco mais longa do que o padrão para o gênero, mas o ritmo não é um problema. O segundo ato é um pouco mais arrastado, mas as resoluções para os empecilhos colocados na trajetória dos dois são boas e garantem fluidez à obra. Além do casal, O’Shea Jackson Jr. e Bob Odenkirk (da série “Better Call Saul”), intérprete do vaidoso presidente norte-americano, também são pontos altos na atuação e a tornam ainda mais proveitosa.

“Casal Improvável” se mostra uma comédia romântica carismática, divertida e que traz uma sensação diferente e inovadora para o gênero. Com boas atuações e uma química forte entre os protagonistas, o filme revela uma excelente pedida, não apenas para os fãs familiarizados com esta estrutura, mas também para aqueles que pouco se sentem atraídos por este tipo de obra, mas que caso deêm a chance, poderão ser recompensados.

Luís Gustavo
@louisgustavo_

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