Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 18 de junho de 2019

A Casa É dos Cachorros (2018): com grande amor, vem grande sacrifício

Com uma bela e admirável história, um casal se dedica a salvar e reabilitar cães para que tenham vidas dignas. No lar transformado em centro de resgate, eles compartilham suas vidas pessoais numa obra emocionante.

A Casa É dos Cachorros” é um documentário lançado na Netflix em junho de 2019 sobre dois homens que transformaram seu lar em um centro de resgate de cachorros. Danny Robertshaw e Ron Danta abrem sua casa, tomada pelos caninos peludos, para as câmeras do diretor Ron Davis explorarem vários aspectos dessa vida longe do convencional.

Quanto mais se explora a casa do casal, mais espanto é causado conforme o tamanho real da operação vai sendo revelado. O documentário explora, de maneira bem dosada, as origens e paixões de Danny e Ron que os levaram a assumir esse gigantesco empreendimento. Ambos são treinadores de cavalos e cavaleiros e ganham dinheiro com isso, mas o centro que montaram funciona totalmente por doações, o que causa problemas financeiros. Um deles revela que o salário dos funcionários do mês seguinte vai sair de seus próprios bolsos. Não há receio também em mostrar um deles tendo que pegar milhares de dólares emprestados do banco para poder pagar as contas. Exemplos de um dos pontos altos da obra: não focar só nos lindos animais caninos, mas mostrar as grandes dificuldades práticas e pessoais que os humanos têm para cuidar deles.

A maneira como o documentário toca em vários aspectos particulares e funcionais no que envolve esse tipo de vida é seu grande trunfo. O casal praticamente só para de trabalhar para dormir e revela que, mesmo estando juntos pela maior parte do dia, mal tem tempo para si ou para conversar sobre algum assunto que não seja os cachorros. Danny tem sérios problemas cardíacos e já sobreviveu muito mais do que os médicos disseram que iria, o que tem peso extra no psicológico de ambos. Além disso, o filme consegue achar espaço para contar um pouco sobre a vida pessoal dos dois, como se conheceram, os problemas com a família e alguns fantasmas do passado que ainda os assombram.

No lado prático, muito bem mesclado com o pessoal, vemos a impressionante organização da casa (e como ela foi mudando ao longo dos anos) para que tudo funcione. Há uma esperta montagem para ilustrar a quantidade de mantimentos consumida semanalmente e inúmeros elementos do trabalho são apresentados. Da limpeza das tigelas de comida, passando por visitas a outros centros de resgate para trazer para casa o que podem de cachorros que seriam sacrificados, até os próprios tentando reabilitar os bichos para que sejam bem adotados. O fardo físico e emocional que ambos carregam é bem grande.

O que surpreende é que eles entendem que cães precisam ser eutanasiados pelos centro de resgate, pois eles recebem uma quantidade enorme diariamente e é simplesmente impossível cuidar de todos. O casal defende que os animais sejam castrados para evitar a superpopulação e a grande quantidade de abandonos. O documentário apresenta estatísticas assustadoras, como o de um centro com capacidade para 125 cachorros, mas que recebe cerca de 5000. Aos poucos, o filme vai apresentando esses dados que vão lentamente chocando o espectador com a quantidade gigantesca de animais sacrificados. Num dos momentos de brilhantismo da direção, uma câmera aérea mostra funcionários levando sacos pretos com corpos para uma caminhonete, para depois mostrá-los desovando-os numa cova, enquanto apresenta mais dados estarrecedores, como o de que quatro milhões de cães são sacrificados todos os anos só nos Estados Unidos.

A maneira como a obra se vale de fotos antigas para ilustrar a história do casal, que passou de adoção temporária de cães para uma operação completa de resgate após se verem salvando 600 cachorros vítimas do furacão Katrina, funciona. É praticamente impossível não sentir admiração por dois seres humanos tão dedicados a animais e que sacrificam tanto de sua vida pessoal, tendo o espaço caseiro para si sendo apenas a cama. Quando um deles é indagado sobre aposentadoria, ele responde com “o que mais eu iria fazer, não ajudar animais? Não consigo.”

“A Casa É dos Cachorros” é um documentário que facilmente atinge o emocional do espectador, afinal, a maioria já é mais suscetível a abrir o coração para histórias de cachorros, e aqui há várias. Com inúmeras histórias de amor e dedicação, todas bem ilustradas, o filme é carregado de potencial para derreter até o mais gélido dos espíritos.

Bruno Passos
@passosnerds

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